O ano político que chega

A cada dia dos próximos meses, como já se viu nas reuniões do Conselho de Estado, vamos ter Belém em oposição a São Bento e ao Largo do Rato. Vamos ter uma espécie de Pai da Nação a obrigar, de forma velada, a que haja um cartão laranja ao Governo. É perante este cenário que importa agir com força e determinação. Costa entendeu tudo isto e, como sinal claro, calou-se na reunião da passada terça-feira. Não foi infantilidade nem amuo, foi a intervenção mais ruidosa e mais eficaz de todo o seu tempo de Primeiro Ministro.

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  • 12:31 | Segunda-feira, 11 de Setembro de 2023
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Em todos os países do mundo se verifica um período de defeso na política doméstica. No hemisfério sul esse período é, por norma, mais pacífico, até porque é atravessado pelo Natal e pela mudança do ano civil. No hemisfério norte, as férias escolares e a mobilidade das famílias desmobilizam os cidadãos, retiram paciência para a contenda partidária.
Há, porém, um país no extremo ocidental da Europa onde essa norma deixou de existir. Tudo aconteceu com a eleição do atual Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.

Em calção de banho nos rios ou nas praias, de boné nos calçadões como os corredores da volta a Portugal em bicicleta, de gravata e sapatos vela num qualquer jardim, temos declarações todos os dias, de manhã e à tarde, promulgações e vetos políticos ponderados, pré-anunciados, concretizados e comentados. O Senhor Presidente teima em ser um dos nossos no piqueno almoço de fruta, no almoço de saladas, na sesta tardia, no lanche em que com ele partilhamos a bola de Berlim, no jantar à luz das velas, no whisky das duas da manhã em que, já ensonados, só ele continua a falar. Não se cansa, mas cansa!

Não desgostamos que faça parte das famílias lusas, acrescidas dos que voltam de outros países, mas devia bater à porta antes de entrar.

Esta anormalidade produziu uma realidade política disfuncional. Verdadeiramente, em Portugal há um líder da situação, António Costa, e um líder da oposição, Marcelo Rebelo de Sousa.


É tão assim, que no dia em que Luis Montenegro concluía a Universidade da JSD e em que Paulo Raimundo proclamava o encerramento da Festa do Avante, o Professor dá uma entrevista à TVI, horário nobre, antes de Luis Marques Mendes e Paulo Portas, seus putativos sucessores, nos fazerem as suas relevantes considerações semanais.

Mas em que se poderá traduzir esta circunstância proparoxítona no ano político que se avizinha e que levará a umas eleições que muitos querem transformar em plebiscito?

António Costa e o PS vivem um tempo governativo menos risonho. No primeiro Governo garantiram duas situações muito relevantes que ajudaram: uma experiência política irrepetível com os partidos à esquerda do PS (1); uma situação nacional e europeia que permitiu folgas orçamentais para que acontecesse o impossível – reduzir o défice e a dívida e aumentar a despesa pública (2).

No segundo Governo, ainda com folgas, a pandemia centralizou toda a atenção do pais, em boa verdade estivemos praticamente em “regime de partido único”. Quando se iniciava a normalização, as forças à esquerda da esquerda provocaram eleições e o PS teve uma maioria absoluta surpreendente.

Este terceiro Governo nasce de uma situação que reúne dúvidas sobre a economia europeia e nacional fruto da invasão da Ucrânia pela Rússia, reveste-se de algum cansaço porque muitos dos protagonistas foram sujeitos a tempos duros e o país fica triste com o desgaste do desempenho público que, lentamente, parece ter alastrado.

Costa, o grande ativo da situação, mostra também alguma fadiga, mesmo que mantenha a imaginação para a ação e para a comunicação.

Os partidos à esquerda, depois das mudanças nas lideranças, preservam discursos velhos e sem esperança, os partidos da direita constitucional parecem ter sido atacados pelos “meia-nau”, o outro, que se senta no extremo dessa direita, desenvolve uma política repleta de inverdades.

Mesmo em afã permanente, o Professor entende bem o cenário e é por isso que, não havendo ideias que valham, reúne em Belém a oposição que falta. Alguém dirá que outros também o fizeram, mas faltará a memória. A Eanes e a Soares nunca passou pela cabeça participar numa jornada partidária com forte simbolismo como é a universidade dos jovens do PSD; aos mesmos jamais apareceria a ideia de querer compensar, os também jovens do PS, oferecendo-se para estar presente na sua Universidade. A JS dispensou e fez muito bem.

Em junho teremos eleições europeias. O Partido Socialista vai a este combate não podendo comportar-se como em 2009. Só pode ir para ganhar.

Há três obrigações que o Governo e o PS devem assumir neste setembro: o Governo tem de garantir uma agenda otimista, tem de demonstrar que atua antes dos casos, tem de se colocar em campo e resolver as crises com os setores diversos da sociedade portuguesa que nos deixam a sensação de falta de sentido de compromisso (1); o Governo e o PS têm de entender que estão lentamente a perder a empatia na comunicação com os portugueses e que isso faz de cada protagonista um robô; têm de entender que, passados oito anos, já não importa nada o que houve antes, só interessa o futuro, que quem era pré-adolescente em 2015 é agora um adulto com uma licenciatura feita e com um futuro difuso (2); o Partido Socialista tem de entender que a sua estrutura não é o aparelho do Estado, que os militantes não são os adjuntos dos gabinetes nem os dirigentes dos serviços públicos, que, mais do que nunca, as Europeias não são mero calendário a que se tem de responder em duas horas lá para junho, que a situação de hoje obriga a debate, mobilização, partilha e valorização dos autarcas, dos militantes e dos simpatizantes (3).

A cada dia dos próximos meses, como já se viu nas reuniões do Conselho de Estado, vamos ter Belém em oposição a São Bento e ao Largo do Rato. Vamos ter uma espécie de Pai da Nação a obrigar, de forma velada, a que haja um cartão laranja ao Governo. É perante este cenário que importa agir com força e determinação. Costa entendeu tudo isto e, como sinal claro, calou-se na reunião da passada terça-feira. Não foi infantilidade nem amuo, foi a intervenção mais ruidosa e mais eficaz de todo o seu tempo de Primeiro Ministro.

Na noite das Europeias de 2009, foram muitas a deceções nos últimos andares do Hotel Altis. Nada de muito surpreendente para o membro do Secretariado Nacional que na altura eu era, porque tinha andado pelo território, porque conhecia a tendência das sondagens dos últimos dias. O PS, sentado como estava no poder, pensou que ganharia fácil, menorizando os sinais do país. Não ganhou!

Confesso que me preocupa muito que só António Costa tenha a história no seu conhecimento pessoal. A direção do PS, quase toda, não tem, e os que têm não se querem pronunciar. Tudo porque há uma hierarquia no Governo, tudo porque há uma lista para fazer.

Não sendo do Governo nem estando na fila para qualquer lista, só posso deixar uma mensagem de preocupação e camaradagem – mexamo-nos rápido, os portugueses não nos devem nada e, mesmo que ainda não encontrem razões para se cansarem de nós, podem surpreender-nos.

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Publicado em Opinião