Natalidade: sinais errados

No interior não há pessoas, os partos são escassos, é difícil atrair médicos, ainda mais difícil quando são especialistas, e quase uma impossibilidade fixá-los, mesmo oferendo-lhes condições de exceção. O interior é muito bonito, ao longe ou num fim-de-semana prolongado para contar aos amigos através do Instagram.

Tópico(s) Artigo

  • 19:13 | Sábado, 11 de Junho de 2022
  • Ler em 2 minutos

A demografia é um dos grandes desafios do século XXI. A base e o topo da pirâmide merecem a nossa melhor atenção. Hoje, quero abordar, de certo modo, a questão da base da pirâmide demográfica. Temos uma das taxas mundiais mais baixas de substituição das gerações. Todas as medidas e políticas públicas que estimulem e apoiem o incremento da natalidade são bem-vindas e merecem, como a das “creches gratuitas”, ser apoiadas.

O desafio da natalidade não será ultrapassado com uma só medida “milagrosa”. Não podemos continuar a dar sinais negativos às pessoas, às potenciais mães e pais. Já nos tínhamos habituado, não acomodado nem aceitado, ao encerramento de serviços de saúde no interior do país, incluindo serviços materno-infantis, e às notícias de mães que dão à luz em ambulâncias durante o percurso em direção à maternidade mais próxima.

No interior não há pessoas, os partos são escassos, é difícil atrair médicos, ainda mais difícil quando são especialistas, e quase uma impossibilidade fixá-los, mesmo oferendo-lhes condições de exceção. O interior é muito bonito, ao longe ou num fim-de-semana prolongado para contar aos amigos através do Instagram.


Que justificações serão dadas, desta vez, para a falta de médicos que obrigam ao encerramento de serviços de urgência na grande Lisboa ou em Braga?

Comunicado do Ministério da Saúde: “Por constrangimentos na escala de Ginecologia e Obstetrícia impossíveis de superar.”

Que razões estarão na base dos “constrangimentos”? Estes constrangimentos são “impossíveis de superar”, até quando? Que segurança tem uma mulher grávida que sabe que a qualquer momento pode precisar destes serviços e não os encontrar em funcionamento?  

Há falta de médicos, nestes serviços, como diz a Sociedade de Obstetrícia. A segurança das maternidades está ameaçada. A sobrecarga permanente dos profissionais potencia o erro no ato médico e coloca em risco a vida das mães e das crianças. Um dado que não deve ser descurado – voltemos à pirâmide demográfica – está relacionado com a idade destes especialistas, 51% dos obstetras do SNS têm mais de 55 anos. Os profissionais podem, por este motivo, recusar fazer serviço de urgência…

O caso de uma mulher grávida, no final da gestação, que, quando chegou à unidade hospitalar das Caldas da Rainha, se deparou com a urgência encerrada por falta de obstetras, é elucidativo da gravidade da situação. Esta mulher perdeu o bebé. Não podemos, sem mais, associar a perda da criança ao encerramento do serviço. O serviço estar encerrado, quando uma futura mãe a ele recorreu, é paradigmático dos erros sucessivos que têm vindo a ser cometidos, no que diz respeito à planificação e à gestão.

Se queremos, precisamos urgentemente de o fazer, estimular a natalidade, para dar futuro à nossa comunidade, nada pode faltar à gestante e à futura criança. Caso contrário, pouco ou mesmo nenhum sentido fará continuarmos a fazer discursos no dia 10 de junho, exaltando os feitos globais da nação e da arraia miúda. Uma nação que não cuida dos velhos e das crianças não cuida de si, faz perigar o seu presente e hipoteca o futuro das suas gerações vindouras.

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião