Numa daquelas conversas com o meu contador de histórias em que ele me prende pela forma entusiasmada como relata as suas vivências e pela minha curiosidade em saber mais e mais daquele homem que tenho o privilégio de ser meu pai, surpreendeu-me quando afirmava com toda a convicção que ao contrário de muitas pessoas que dizem que gostavam de voltar a ter dez anos, ele não partilha esse desejo e que Deus o livre de ter que voltar a passar por aquilo que passou quando tinha essa idade!
Bom é mesmo agora e o que ele quer é anos para a frente e deixar ficar os que passaram no seu lugar!
Hoje, perante a beleza efémera desta camadinha de neve sinto exatamente o mesmo que o meu pai, não tenho saudades das grandes camadas de neve que duravam dias e dias e que nos isolavam do resto do mundo.
Apesar da beleza dos nevões de outros tempos traziam muito desconforto e solidão.
Lembro-me de camadas que chegavam a atingir quase setenta, oitenta centímetros ou mais de altura.
Lembro-me dos carreiros (acessos de mais ou menos um metro) que eram abertos para a fonte da Tulha, para as tabernas, para os fornos públicos e para a igreja.
Lembro-me das alcateias de lobos que as pessoas diziam ter visto a rondar a aldeia.
Lembro-me do gelo que tornava o caminhar uma aventura de equilibrismo e rara era a camada em que não havia uns braços ou umas pernas partidas.
Recordo as manhãs na cama com o meu pai que nos sussurrava ao ouvido a balada da neve, enquanto a minha mãe acendia a lareira para que as suas meninas pudessem usufruir do conforto que ela podia proporcionar.
Gosto de acordar e ver um véu de noiva a cobrir a minha Nave, é sem dúvida um espetáculo visual incomparável…gosto de deliciar o meu olhar mas depois, adeus neve … volta mais vezes, mas sempre sem a intensidade de outros tempos.