Não é sim!

Mas nem só do arquipélago vêm as más opiniões. A entrevista breve que Miranda Sarmento deu a Vítor Gonçalves, na RTP 1, num intervalo do congresso, admitindo recuar no 1% do IRC, foi um desastre completo. Os homens dos números raramente acertam uma, fora da tabuada.

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  • 12:18 | Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024
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Finalmente, acabou o “suspense” que já ninguém aguentava e não servia a nenhuma das partes, nem às moscas que, por rotina, se alimentam de inertes pestilenciais.

Entretanto, a intriga política que medra na exacta medida em que escasseiam as divergências fracturantes, encarregou-se de espalhar pela preenchida reunião geral de contribuintes que Pedro Nuno Santos (PNS), embora abstendo-se na votação na generalidade do Orçamento, se preparava para conflituar na especialidade, guardando para essa altura o braço-de-ferro, que agora, por tacticismo, evitou.

Das palavras e da entrevista de PNS, não resultou claro que assim não fosse. Uma leitura enxuta e atenta do que disse, permite que todas as especulações sejam possíveis, e que todas tenham o mesmo fundo de credibilidade. PNS, pisando a fina e instável camada de gelo, formada pelos moderados e pelos mais desalinhados do centro, sabe que não pode afastar nenhuma das tendências e que qualquer passo em falso pode desequilibrar a unidade que o Largo do Rato propagandeia.


Quando ouvi a declaração de PNS, no Largo do Rato, pareceu-me evidente que a abstenção recairia sobre a versão do Orçamento que conhecia, mesmo não concordando com algumas das suas disposições. As linhas vermelhas, que colocara ainda no Verão, teriam deixado de ser condição, embora, para consumo da velha militância, teimassem em ser bandeira.

Considerando a dupla condição de o último acto eleitoral ter ocorrido há seis meses e de este Orçamento ser o primeiro que o executivo apresenta, o PS, olhando ao interesse nacional, iria viabilizá-lo, evitando desse modo uma crise política. Ficou-lhe bem. Também no interesse próprio, porque se precipitasse o país para eleições antecipadas, que o povo anónimo não deseja, ele, e quem o apoiasse, pagariam caro a leviandade. De qualquer modo, deu um ar de moderação e de sentido de responsabilidade, ajudando a empoeirar o perfil de menino rebelde e de alguma imaturidade, que lhe ficou dos tempos da troika – a ameaça aos banqueiros alemães (“estou-me marimbando para os bancos alemães… ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida”) ainda consta do anedotário político nacional – e do consulado nas Infraestuturas – são muito recentes a entrada de leão e a saída de sendeiro sobre o novo aeroporto.

Admitir para mais tarde uma decisão diferente, complicando as negociações, na fase da discussão na especialidade, e interrogando o sentido do voto final, seria entusiasmante para os forcados e bandarilheiros, mas desbarataria por completo, e talvez em definitivo, a imagem de moderado, que paulatinamente e com esforço anda a tentar construir.

Encostar o governo às cordas, introduzindo alterações substanciais no Orçamento, propostas que descaracterizariam o documento, condição “sine qua non” para uma abstenção final, será inaceitável, se olharmos para a política como um território de honra, uma geografia de compromissos. Depois do sim, a que ninguém o forçou, não há recuo. Seria uma total falta de noção da realidade e das circunstâncias patetas ou impactantantes que a constroem e a cercam. Dar um passo à retangueira, seria o fim. Ficaria memorável pelas piores razões, lembrado pela falta de palavra. Só os apaniguados, de rosa e punho à ilharga, o respeitariam como pessoa de bem. Fazer o contrário do que anunciou, saberia a truque. Jogo viciado. Batota. E a si, colar-se-ia, já não a pele de “enfant terrible”, mas uma bem pior, de trapaceiro e de trambiqueiro. E não creio que o seja.

Palavra dada é palavra honrada, até num puteiro assim é. Tentar obter ganho de causa, com argumentos sérios, nas matérias que lhe pareçam merecer ajustamentos, é natural e diria até obrigatório, no maior partido da oposição, capaz de gerar alternância no poder – alternativa, é outro assunto mais complexo, só por si a justificar outra discussão -, e quanto mais inteligentemente o fizer, melhor será para uma democracia saudável e higiénicas.

Poderá haver dificuldades e obstáculos no processo, naturais e facilmente antecipáveis, mas longe de impasses e descarrilamentos, que matariam a credibilidade ganha recentemente, com a disponibilidade para viabilizar o Orçamento, gesto difícil e corajoso de PNS.

Coisa bem diferente, é pretender que Montenegro governe com medidas que não constam do programa com que o líder do PSD se apresentou a sufrágio, e que, bem ou mal, foi sufragado pela maioria dos eleitores.

Creio que o mês que temos pela frente nos dirá que esta efervescência será espuma dos dias, não passando do movimento com que os comentadores e jornalistas gostam de agitar a vida partidária e manter ocupados os guardiões da Ágora.

No entretanto, o levantamento de rancho do marcial Albuquerque, ameaçando reavivar as dúvidas, se as pretensões dos insaciáveis e sempre zangados ilhéus, a quem os milhões transferidos, desde há cinco décadas, nunca bastaram para pagar obras de duvidosa utilidade pública, e sempre escarnecendo dos “cubanos do contenente”, soma dubiez à indefinição, que por certo continuarão a atormentar quem aprecia o sossego.

Mas nem só do arquipélago vêm as más opiniões. A entrevista breve que Miranda Sarmento deu a Vítor Gonçalves, na RTP 1, num intervalo do congresso, admitindo recuar no 1% do IRC, foi um desastre completo. Os homens dos números raramente acertam uma, fora da tabuada.

Contrariando o PM, mostrou que o governo está disposto a capitular, na defesa do Orçamento e da sua sobrevivência. Montenegro e Amaro bem podem pregar que o governo não está isolado, que vem logo a prática contradizer a prédica, mesmo que à boleia de um náufrago nas águas políticas, um homem desajeitado para a palavra certa e desembaraçada.

PS – Quem, distraído, disser que estão longe as presidenciais, atente-se em Leonor Beleza, primeiro vice-presidente da nova comissão política do PSD, e na sofreguidão da comunicação social, que “engoliu” Marques Mendes, à sua chegada ao conclave. Maus agouros para o ambicioso oficial de ordens das “vácinas” e para o sombrio Passos Coelho, juntos numa parelha manca, que o fado lusitano, avisado e precavido, afastando o pé maior do que o chinelo e regurgitando memórias traumáticas, já enjeitou.

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Publicado em Opinião