Mulher

Venho de famílias de homens muito ausentes, onde um forte clã matriarcal era, em simultâneo, tantas vezes, homem e mulher. Geradoras do pão de nosso de cada dia, gestoras de fracos ou anchos haveres, educadoras, sofredoras e ainda carinhosas mulheres do Lar.

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  • 19:39 | Quarta-feira, 08 de Março de 2023
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Podia escrever uma dezena de parágrafos sobre património e matrimónio, pater e mater, riqueza e lar…
Seriam de uma banalidade e inutilidade total.

Venho de famílias de homens muito ausentes, onde um forte clã matriarcal era, em simultâneo, tantas vezes, homem e mulher.
Geradoras do pão de nosso de cada dia, gestoras de fracos ou anchos haveres, educadoras, sofredoras e ainda carinhosas mulheres do Lar.
Eram Mães. Eram Avós. Eram Tias. Eram Irmãs. Eram Mulheres… Uma fraternidade coesa, solidária e ainda disponível para ser tolerante com as machocracias vigentes e regentes.

Cresci rodeado de mulheres, que aprendi a respeitar e a amar.
Vida fora, tive a fantástica ventura e privilégio de conhecer mulheres extraordinárias.
Hoje ou amanhã, neste dia internacional da Mulher – efeméride tão redutora – nada vou fazer de diferente dos outros dias — excepção deste texto…
A não ser olhá-la com a admiração e o fascínio de sempre.


Na minha já longa vida, a Mulher foi, é e será por demais importante para ter um dia. Isso serve ao consumismo e contém, na minha óptica, um efeito quase tautológico.
E é um pouco como o pecador, que todo o ano no “pecado” refocila e pela Páscoa se confessa.

Sem demagogias da treta, flores efémeras, jantares estapafúrdios e de circunstância, muito corporativistas, por vezes até hipocritamente cínicos, façamos o oposto… e decretemos louvá-la e/ou estimá-la como igual em direitos e deveres, os restantes 364 dias do ano, na pluralidade tão vasta das suas competências.
Pelo respeito que lhe temos, a Ela, que até a vida nos concedeu, nos doou…

 

 

De um grande poeta português…

 

Presídio

Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?
E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…
É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio
vulto da Primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética“”

 

Bonecrito de Paulo Neto

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Publicado em Opinião