Nasci numa aldeia. Uma vez por mês, parava a carrinha cinzenta da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian no largo do adro. Podia ver livros, desfolhá-los e ficar com três por mês que trocava no mês seguinte. Foi assim que descobri Eça, Camilo, Júlio Dinis, etc.
Todos temos uma história para contar. Basta pensar num banco de jardim, numas escadas de pedra granítica no largo da aldeia, no pelourinho.
Quando me lembro de Otelo Saraiva de Carvalho estou a falar de alguém ao jeito de Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.”
Nos meus tempos de criança pude colecionar coisas e com elas brincar: miniaturas de automóveis, de comboios, de bonecos, livros de colorir e de banda desenhada, cromos, etc. Outros, não tiveram sequer essa sensação. Talvez por isso, venha falar das “coisinhas” que se perderam com o passar dos anos: o tapete deixou de ser mágico e a varinha perdeu o seu condão. Aflora uma certa mágoa, ao falar destas coisas. Lembro um relógio de parede com a corda partida que só dava horas quando acertava os ponteiros à mão. Estava certo cada vez que rodava os ponteiros para dar horas. Reagia como tinha sido habituado: media o tempo dos ponteiros, não o tempo real.
Escreveu Torga : “não é com candeias que se ilumina a vida“, o que bem se podia aplicar na hora em que morre alguém como Otelo Saraiva de Carvalho, um dos que iluminou a nossa História no capítulo da Liberdade e Democracia, usando para tanto o nome de “Óscar”, o estratega do 25 de Abril.
Obrigado, a história o julgará. Descansa em paz. Até sempre.
(Foto DR)