A trajetória, iniciada em 2014, de redução da pobreza, foi interrompida. Os portugueses estão a empobrecer! Em 2020, os pobres eram mais 12,5% do que em 2019, de acordo com os dados, avassaladores e perturbadores, apresentados pela Pordata. Temos motivos de sobra para adotarmos novas medidas que respondam, concreta e efetivamente, às necessidades de tantas famílias que sofrem e são incapazes de reunir as condições mínimas para terem uma vida digna.
Dos 10.344.802 habitantes (Censos 2021), 4.5000.000 de portugueses são pobres antes das transferências sociais (em sentido lato, correspondem às pensões – prestações de velhice e sobrevivência – e outras relativas a família, educação, habitação, doença/invalidez, desemprego e combate à exclusão social), praticamente metade da população.
Mesmo beneficiando de apoios sociais, há 1,9 milhões de pessoas que vivem no limiar da pobreza, dispondo de um orçamento até 554,4€ mensais / 6.653€ anuais.
Portugal é, no contexto europeu, o país que mais se tem vindo a afundar, condenando uma parte significativa da população a condições de vida degradantes, não compatíveis com a dignidade humana, crónicas, geracionais, iníquas e potenciadoras das indesejadas desigualdades sociais, da exclusão e da marginalização.
Os efeitos da pandemia têm sido mais danosos para os portugueses do que para os restantes europeus. Uma possível explicação pode estar no facto de ocuparmos o 3.º lugar quando o indicador se refere aos países que menos esforço financeiro fizeram na resposta ao contexto pandémico. Uma opção que está a passar uma fatura muito elevada, agravada pelo contexto da guerra na Ucrânia. A percentagem de recursos que afetamos na luta contra a pobreza é cronicamente baixa. São necessários mais recursos financeiros e prestações sociais mais eficazes.
Os grupos mais afetados são os desempregados (metade não tem proteção no desemprego, não beneficia de subsídio de desemprego nem de subsídio social de desemprego); as famílias com filhos (famílias monoparentais e famílias com três os mais filhos); as crianças (filhas de pessoas pobres).
A pandemia, a guerra na Ucrânia, a escalada da inflação e a crise energética têm consequências mais agressivas para os grupos fragilizados. É urgente apoiar as famílias. Com a chegada do inverno, este ano serão mais as famílias impossibilitadas de aquecer as suas casas, 25% das quais não reúne as condições mínimas de qualidade, segurança e conforto.
Dificilmente serão obtidos melhores resultados se continuarmos a aplicar as medidas de sempre. Devemos priorizar a observação criteriosa da severidade da pobreza e encontrar um modelo estrutural de distribuição da riqueza mais eficaz e justo. Há uma janela de oportunidade, que não pode ser desperdiçada, para inverter o cenário que nos deve inquietar, se queremos construir e conviver numa comunidade inclusiva, alicerçada em direitos humanos e que não deixa ninguém para trás.
Destaco os instrumentos financeiros – PRR e PT 2020 – e os compromissos já assumidos: Estratégia Nacional de Combate à Pobreza; Plano de Ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais; Garantia Europeia para a Infância.
É tempo de agir. Nós, todas as cidadãs e todos os cidadãos, não podemos continuar a assistir, por exemplo, a crianças que só têm direito a uma refeição quente na escola, a pessoas que se fingem doentes para comer nos hospitais e a velhos que neles são abandonados à sua sorte, os designados internamentos sociais (4,7% das camas nos hospitais públicos são ocupadas por internamentos inapropriados, segundo a Associação de Gestores Hospitalares).
(Fotos DR)