Quando, há um mês, a 6 de Abril, antes da 2ª renovação do estado de emergência, a Igreja anunciou que as peregrinações a Fátima estavam canceladas, a decisão estava bem pensada, madura, e não havia volta a dar.
O silêncio das sacristias é dos melhores conselheiros das batinas.
A Igreja foi cautelosa, sensata, prudente, como se lhe exigia, não fez de mais nem de menos, apenas o que devia.
Entretanto, passou o 25 de Abril e o 1º de Maio, com os respectivos actores, escudados nos privilégios mágicos que o poder lhes reconhece, a não segurarem os impulsos e a esticarem-se um pouco na sobranceria e no mau exemplo, expondo-se ao ridículo queirosiano, áspero e mordaz.
E sem mais, ou talvez não, eis que a ministra, numa entrevista televisiva, descalibrando o sossego, abriu a porta às peregrinações. Se a Igreja assim o quisesse e garantisse as regras de segurança, nada obstava, disse.
Uma cena, meu, tipo sacudir a água do capote.
Ao outro dia, numa conferência de imprensa, esbardalhou-se, reduzindo a polémica a questões semânticas, perdida na distinção entre peregrinos e celebrantes (como a não soubéssemos), fazendo apoucada a lúcida gente.
Marta foi o rosto de uma ratoeira, uma tentativa de o governo emendar a mão e não ficar com o ónus de dar mais importância à liberdade política e sindical do que à liberdade religiosa.
Marto, astuto, foi rápido a rejeitar o gesto bondoso, observando-lhe a malfeitoria secante.
Independentemente dos posicionamentos ideológicos, e de tudo o resto que também conta, não tenho dúvidas que a Igreja deu uma bofetada de luva branca aos poderes temporais, ensinando-lhe as boas práticas e pondo a vida acima de todas as demais coisas terrenas.
Das mais pueris às mais ferinas.
Na esteira das proibições, ficaram anulados todos os festivais de Verão, com excepção, para já, e pelo que vai constando, da Festa do Avante!
E, já agora, dos festivais de vinho, de enchidos, de frutos secos, dos certames das enguias e das castanhas, onde os mordomos responsáveis garantirão o cumprimento das regras de distanciamento e onde, subjacentes, estarão indesmentíveis manifestações de índole cultural que não se devem sequestrar.
Numa democracia, estou certo que todos serão tratados por igual, sem fretes nem favores.
Sem desculpas tontas para excepções que vêm a jeito.