Marcolino, o Anarca
As estrelas, o destino, os deuses ou quem quer que seja, determinam a família com que cada um vai ter de conviver e/ou de suportar ao longo da vida. A família, nós não escolhemos. Aparece e temo-la, simplesmente, em maior ou menor número, com maior ou menor proximidade e afectividade. Já os apêndices familiares conexos […]
As estrelas, o destino, os deuses ou quem quer que seja, determinam a família com que cada um vai ter de conviver e/ou de suportar ao longo da vida. A família, nós não escolhemos. Aparece e temo-la, simplesmente, em maior ou menor número, com maior ou menor proximidade e afectividade. Já os apêndices familiares conexos (compadres, padrinhos, amigos, e, mesmo os genros e noras) terão, toda a vida, a chancela da nossa escolha. Deveria incluir também os primos em 3º grau, mas, esses, por sorte, só aparecem na nossa velhice quando vêm visitar ”a terra onde nasceram os nossos pais” e, por isso, não incomodam, ou, se incomodam, é um dia ou dois, o que até serve para recordar os mortos e beber uns copos à saúde dos vivos. Portanto, para além da família em 1º grau, arranjamos outra por motivos afectivos, que é aquela, que, em grande parte dos casos, está mais próxima e nos vale nos casos de aflição.
Vem esta conversa a propósito de um amigo que a vida e a sorte me colocaram à frente, e, que, sendo do melhor que há na terra, somos a antítese um do outro. A vida foi, por vezes, madrasta para os dois e às adversidades respondemos com reacções diferentes.
O Marcolino é da esquerda pura (o PCP é “social-fascista”, diz ele) e um anarca da pior espécie. Daqueles que ao seguir ao 25 de Abril, borrou as paredes todas com spray vermelho pichando aquelas frases imortais dos anarquistas, do tipo: : “a terra a quem a trabalha…o coveiro não é latifundiário” ou “ as putas ao poder que os filhos já lá estão”. Nunca está bem com o que vê, é sempre do contra mesmo que isso implique um pouco de demagogia, não pode com padres, as beatas fazem-lhe urticária (daí, dar-se mal com a minha prima Carminda), o som dos sinos da igreja arrepiam-lhe os cabelos e diz-se: – Ateu, graças a Deus! não vota, nunca – Não há escolha possível entre safardanas da mesma raça! e diz que a democracia é uma festa burguesa. Também diz que o comunismo é o roubo, por alguns, da ingenuidade e do trabalho de outros. A direita não lhe merece comentários porque não perde tempo com os “bufos”, “fascistas”, “corujas de igreja”, “padrecos”, “sifilíticos” e outros “malfeitores” que a natureza não conseguiu extirpar da sua convivência.
Um dia destes, dizia no Zé Raboto, amigo e compincha de finos e má-língua:
– Olha, cada vez somos mais! Cada vez mais, ouviste? É só olhar! – e apontava duas ou três linhas, nas folhas soltas de um semanário que por ali andava, sem leitores, há meses.
– Vês? Aqui!
E apontava para identificação dos autores dos artigos ali estampados.
O Marcolino é dos que, quando vê o símbolo @, pensa que são mensagens encriptadas dos anarquistas