Há instituições que, por incúria humana, indiligência, desamparo, incompetência e abuso de poder nascem contranatura.
Até 2011, os governos civis existentes em cada sede do distrito, representando administrativamente o poder central, entre outras tinham as competências da segurança pública, proteção civil, gestão dos processos eleitorais e emissão de passaportes.
Com a sua extinção e para resolver, também, serviços inerentes às migrações, acrescido das normas impostas pela CEE e posterior EU, a integração no espaço Schengen e na Frontex, criou-se o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que teve uma vida atribulada, acabou por ser extinto por alegadas situações de violação de Direitos Humanos, abuso de poder, arbitrariedade nas detenções de imigrantes, espancamentos e, até, homicídio.
Temporariamente substituído pelo Alto Comissariado para as Migrações, surgiu, entretanto, o AIMA, Agência para a Integração, Migrações e Asilo, que passa a ser responsável administrativamente pelas matérias que dizem respeito aos cidadãos estrangeiros em Portugal, refugiados, autorizações de residência, etc.
E esta situação nada abonatória para a imagem de Portugal e para a dignidade dos migrantes faz-me lembrar outra ocorrida há 60 anos, da qual tive direto testemunho de um familiar envolvido.
No início dos anos 60 emigraram milhares de portugueses, entre outros destinos para França. Salazar agastado com essa onda migratória que deixava à escancarada vista a pobreza de um país que obrigava os seus filhos a partir do solo pátrio em busca de subsistência, limitou ou proibiu a emissão de passaportes e chegou a encerrar postos consulares como na altura o de Pau.
Estes emigrantes, privados da legalidade, acorriam aos chamados “passadores” que, ” a salto”, a troco de pecúlios morosa e esforçadamente poupados, levavam milhares de portugueses até às faldas dos Pirinéus, ali os deixando à mercê do destino para irem trabalhar no que surgia, nomeadamente para as quintas agrícolas e para a cultura e apanha da beterrava…
O Dr. Coelho Lopes fora colega de meu pai, tendo-o convidado para ir trabalhar com ele. E assim foi. Contava meu pai que os emigrantes eram aos milhares, que o quadro de funcionários era limitadíssimo, que não havia mãos a medir e, ainda assim, dificilmente davam conta do recado. Tal incapacidade levava os nossos concidadãos a passar a noite em longas filas, no exterior, à mercê do duro inverno parisiense, usando fogareiros para se aquecerem e algum conduto cozinharem.
Tal como há 60 anos, situação semelhante se passa agora em Portugal, com os imigrantes e refugiados saídos dos seus países, fugidos de guerras e da miséria.
Reflitamos um pouco sobre esta repetida saga… e façamos votos de que esta situação não se perpetue e que, por falta de recursos humanos e meios técnicos, a indignidade se instale para vergonha de todos nós, os emigrantes de antanho…
(Foto DR)