Lítio: “Petróleo Verde” ou futuro negro no concelho de Viseu?…

Cerca de 80% do território do concelho de Viseu (ver mapa) está abrangido por pedidos de prospecção e pesquisa do lítio e outros minerais que abrangem todas as 25 freguesias do concelho (em Côta e Calde já foi autorizada a exploração de quartzo), por parte de duas empresas: a Iberian Lithium Corp e a Fortescue Metals Group Exploration. Nem a freguesia de Viseu, no centro, escapa, com dois pedidos, tantos como as de Repeses e S. Salvador, Orgens, Vil de Souto, S. Cipriano, Coutos de Viseu, Rio de Loba, Stos Evos. Povolide tem 3 pedidos de prospecção e exploração.

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  • 14:05 | Sábado, 11 de Dezembro de 2021
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Acabou esta sexta-feira, dia 10, o prazo de consulta pública do Relatório de Avaliação Ambiental Preliminar do Programa de Prospecção e Pesquisa de Lítio (PPP Lítio).

Uma das 8 áreas potenciais para atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de Lítio, designada Guarda-Mangualde NW, no total de quase 500 km2, abrange os concelhos de Viseu (80% do território) , Sátão (90%), Penalva do Castelo (80%), Mangualde, Seia, Nelas (50%) , Oliveira do Hospital e Gouveia.

Cerca de 80% do território do concelho de Viseu (ver mapa) está abrangido por pedidos de prospecção e pesquisa do lítio e outros minerais que abrangem todas as 25 freguesias do concelho (em Côta e Calde já foi autorizada a exploração de quartzo), por parte de duas empresas: a Iberian Lithium Corp e a Fortescue Metals Group Exploration. Nem a freguesia de Viseu, no centro, escapa, com dois pedidos, tantos como as de Repeses e S. Salvador, Orgens, Vil de Souto, S. Cipriano, Coutos de Viseu, Rio de Loba, Stos Evos. Povolide tem 3 pedidos de prospecção e exploração.


 

 

É caso para perguntar aos respectivos presidentes de Junta se já tomaram alguma providência. E, por maioria de responsabilidades, perguntar ao presidente da Câmara de Viseu, que também preside à CIM Viseu Dão Lafões (45% do Distrito de Viseu abrangido por pedidos de prospecção de lítio e outros minérios) se já teve alguma actuação na defesa do território de Viseu e da região, tendo em conta que ao fim de 15 ou 20 anos acaba a exploração intensiva, deixando os impactos na natureza, na qualidade da água dos lençóis freáticos, na desvalorização dos territórios, na economia (destruição de empresas familiares na agricultura, silvicultura, viticultura, apicultura, pastorícia, turismo da natureza, agro e enoturismo) e na saúde dos munícipes.

As minas a céu aberto, para serem rentáveis (para obter 5 gramas de lítio é preciso extrair 1 tonelada de rocha), podem provocar uma cratera com uma área de 6 km2 e uma profundidade que pode chegar quase aos 500 metros.

As Avaliações de Impacto Ambiental (AIA) a que os projectos de exploração estarão sujeitos não nos devem deixar descansados, dado o historial de atentados ao ambiente que se verificam impunemente em Portugal, país classificado em último lugar, na Europa, na preservação das áreas protegidas, e o quarto pior lugar na preservação das espécies em vias de extinção. A maioria dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) são feitos por empresas de consultoria ambiental privadas, contratadas pelas empresas proponentes dos projectos. Cerca de 90% das AIA acabam por ser aprovados, muitas vezes sujeitos a medidas de mitigação ou minoração dos prejuízos ambientais, segundo a análise custo-benefício própria do capitalismo predador da natureza. Veja-se caso da aprovação do novo aeroporto no Montijo, com o EIA a passar ao largo dos riscos para o estuário do Tejo, como inundação devido à subida do nível médio do mar, perigosidade sísmica e susceptibilidade de inundação por tsunami, conforme denunciado por especialistas e associações ambientalistas.

A resistência das populações (organizadas em mais de uma dúzia de movimentos, no Norte e Centro) à mineração do lítio não deriva de nenhum fundamentalismo. Desde os primórdios da Humanidade que se pratica a mineração. A Pré-História foi dividida em períodos que vão da Idade da Pedra à Idade dos Metais (Cobre, Bronze e Ferro). E mais recentemente temos a Idade do Petróleo, do Nuclear e, agora, a dos Materiais Avançados. O lítio já é explorado em Portugal há décadas (no Barroso e em Serra D´Arga) com aplicação na indústria da Cerâmica. Mas estas explorações requerem áreas de 5 a 10 hectares, com produções anuais de 30 a 40 toneladas e com impactos ambientais enquadráveis no território e absorvíveis a médio prazo, enquanto as explorações do lítio para baterias requerem reservas de 50 milhões de toneladas para serem rentáveis, o que exige buracos com um 1 km de raio e 300 a 400 metros de profundidade. Foi com base nestes dados que Fernando Pacheco, geólogo e docente da UTAD, um dos participantes na Conferência/Debate “Consequências Ambientais da Exploração Mineira de Lítio, a Céu Aberto, na Região das Beiras”, que teve lugar em Nelas, no passado dia 27 de Novembro, promovida pela Associação de Defesa Ambiental AZU – Ambiente nas Zonas Uraníferas, sustentou a opinião de que a exloração do lítio em locais como Montalegre ou na Serra D’Arga nem será rentável, pela exiguidade do filão, nem teria viabilidade ambiental devido aos impactos no território. A mesma opinião foi manifestada por outra conferencista, a geóloga Teresa Fontão, do Movimento SOS Serra D’Arga, para quem “não existe na SerraD’Arga qualquer possibilidade de abrir crateras com 600 metros de diâmetro, sem contar com os anexos mineiros que requerem áreas 7 a 10 vezes maiores do que a área de lavra, a menos que se engulem casas e serras inteiras”.

Também no passado Domingo, em Mangualde, o portal Interior do Avesso promoveu uma Tribuna Pública Contra o Extrativismo, onde Renata Almeida, do Movimento Contra Mineração Beira Serra (que já tinha vindo a Viseu, à Feira Semanal, para em conjunto com a AZU e a Associação Olho Vivo, recolher assinaturas contra o PPP Lítio) alertou as dezenas de participantes, para a necessidade de desmitificar a “mineração verde”, que apresenta o lítio como fundamental para a transição energética (as baterias de iões-lítio de estado sólido alimentam telemóveis, portáteis, tablets e veículos eléctricos), mas que pesca por arrasto outros minerais, como tungsténio, terras raras, níquel, manganês e cobalto (estes três últimos misturados com cristais de óxido de lítio constituem o cátodo das baterias dos veículos eléctricos), sem se compadecer com os impactos negativos nas populações serranas e nos eco-sistemas. Por exemplo, conforme denuncia o Movimento Serra D’Arga, na sua pronúncia à Consulta Pública, vários blocos da Área Guarda-Mangualde incluem o Geopark Naturtejo, consagrado pela UNESCO como Geoparque Mundial.

Outra participante, Elaine Santos, do Grupo Geopolítica Y Bienes Comunes da Universidade de Buenos Aires, deu o exemplo da mineração em comunidades do Brasil, Equador, Argentina e Chile, para denunciar a transição energética injusta que prejudica a Natureza, as populações e o seu modo de vida, nos países de renda baixa, para maior benefício dos países ricos que consomem três vezes mais energia “per capita”.

Prevê-se que irá duplicar o consumo de matérias-primas e energia até 2060, o que irá fazer aumentar em quase 6.000% a procura das baterias de lítio até 2050 na UE.

Entretanto, a Toyota e a Volvo, duas construtoras de topo de veículos eléctricos (a Volvo comprometeu-se na COP 26 a atingir um impacto ambiental neutro até 2040), já confessaram que a pegada carbónica dos veículos eléctricos, desde a extracção do lítio, só é atenuada no final da vida útil dos veículos. Há, pois, que investir na investigação e nas alternativas, como as baterias a sódio (abundante no mar), a ferro ou a hidrogénio verde (através da electrólise da água, utilizando fontes renováveis de energia eléctrica, como a solar). Há já um projecto de uma empresa nacional para produção de hidrogénio verde, no Seixal.

Mas, cima de tudo, há que MUDAR DE VIDA! Usar menos o automóvel privado e mais os transportes públicos, a bicicleta ou o “pernicular”. Reutilizar, reciclar, reduzir o desperdício, exigir bens mais duradouros; menos consumo, mas mais responsável e exigente e um desenvolvimento sustentável. As alterações climáticas não esperam por nós!

 

(Foto DR)

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