Ler humaniza, Leya desumaniza

É caricato que enquanto “mais pessoas estão a abrir portas a novos mundos e ideias” outros, a Leya, esteja, literalmente, a fechá-las. Viseu sofre mais um duro golpe, a Rua Formosa perde atratividade e centralidade no comércio tradicional

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  • 11:22 | Quarta-feira, 16 de Outubro de 2024
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No dia 7 de outubro, Dia da Consciencialização do Idadismo, fui convidado para participar no Word Café “Conversas Sem Idade”, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira (Açores), pela Casa do Povo de Santa Bárbara que desenvolve um projeto de excelência, em parceria com o Governo Regional: “Envelhecer 100 Preconceito”.

Comecei a minha intervenção a dar nota de que me sinto acolhido pelas gentes dos Açores. Foi uma bela oportunidade, estar no arquipélago, ter uma boa conversa no meio de livros. O espaço escolhido foi a livraria Lar Doce Livro, um projeto que tinha conhecido, aquando da minha anterior ida à ilha. No centro histórico de Angra do Heroísmo, cidade Património da Humanidade, nasceu um projeto cultural, arrojado, imagino que arriscado, pela mão do escritor e jornalista terceirense Joel Neto que “Depois de duas décadas em Lisboa, empacotou os livros e instalou-se na freguesia de Terra Chã, na Ilha Terceira” (A Vida no Campo, editado pela Marcador).

Um espaço que inspira e expira cultura com uma agenda de eventos invejável à qual não será indiferente o facto de o seu mentor integrar o ecossistema da cultura pelo seu reconhecido mérito e valor.


No dia 2 de novembro, o escritor moçambicano Mia Couto estará na livraria Lar Doce Livro a apresentar o seu novo romance “A Cegueira do Rio”, editado pela Caminho.

Um projeto que renova a esperança de quem gosta de ler, de livros, de livrarias, de bibliotecas.

A leitura humaniza-nos e empodera-nos. Gosto de descobrir novas propostas literárias, sabe-me bem conversar sobre livros, debater a espuma dos dias entre as prateleiras repletas de obras de autores que nos estimulam, provocam e desafiam.

Se há algo que me dá prazer é, no final de um dia de trabalho ou num sábado de manhã, ir à Leya, na Rua Formosa, principal artéria comercial de Viseu, e conversar com a Mariana, o Álvaro, a Ana Ferreira. A Leya Foi com um misto de surpresa e tristeza que li no Jornal do Centro: “Livraria Pretexto na Rua Formosa vai fechar as portas no final deste ano. Grupo Leya justifica encerramento com o aumento das rendas.”

Será o aumento das rendas o real motivo para o encerramento de três unidades, Viseu, Aveiro e Porto?

Uma das justificações dada à agência Lusa, pelo diretor-geral das edições no grupo Leya e presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), Pedro Sobral: “Tudo o resto, não sendo propriamente da área de edição e tendo um bocadinho aqui esta pressão dos custos mais altos imobiliários, decidimos que era altura de sair do negócio, que claramente não é o nosso. “

O uso do diminutivo “bocadinho” faz cair por terra o argumento do aumento das rendas, por contraponto, depreende-se que não serão aumentos colossais, estaríamos a falar de um “bocadão”. Também não foi utilizado o argumento das vendas, até porque o senhor diretor-geral, no seu outro chapéu, na qualidade de Presidente da APEL, não se coíbe de espalhar as boas novas: “O mercado livreiro português representou 187 milhões de euros em 2023, com um aumento de 7% nas vendas face ao ano anterior, segundo um estudo divulgado hoje pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)”

“Parece que finalmente estamos a adquirir hábitos de leitura e que mais pessoas estão a abrir portas a novos mundos e ideias, em especial nos mais novos, e isso advém da preocupação dos pais e cuidadores em envolvê-los na experiência da leitura e da compra do livro”, afirmou o presidente da APEL, Pedro Sobral, em nota de imprensa”

É caricato que enquanto “mais pessoas estão a abrir portas a novos mundos e ideias” outros, a Leya, esteja, literalmente, a fechá-las. Viseu sofre mais um duro golpe, a Rua Formosa perde atratividade e centralidade no comércio tradicional. O café contiguo, recentemente remodelado, poderá ter também os dias contados, os clientes irão rarear. A farmácia já tinha encerrado, mudando de instalações. É mais uma loja “âncora” que morre no coração da nossa cidade.

Restam-nos, quanto a livrarias, a FNAC no Palácio do Gelo e a Bertrand no Fórum Viseu. Na FNAC, os livros estão relegados para um plano de fundo. A loja da Bertrand gera uma sensação de claustrofobia, é pequena, os livros estão amontoados, com pouco e duvidoso critério, é difícil circular, torna-se desconfortável, não é acolhedora. Em ambos os espaços, conversar sobre livros, escritores, debater os temas do dia, é uma quase impossibilidade.

O grupo Leya acelera no caminho para o abismo cultural, dá três duros golpes, ao encerrar três livrarias, e potencia a desumanização das comunidades.

A Cidade Jardim perde um espaço ímpar. Terei saudades de receber uma mensagem a dar nota de que “chegou algo que lhe poderá interessar, vou reservar para que analise”. Desejo aos profissionais as maiores felicidades e que possam continuar a fazer o que tão bem sabem.

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Publicado em Opinião