O Governo apresentou o Orçamento do Estado para 2024 e foi o cabo dos trabalhos. Políticos e comentadores ficaram pregados aos números sem saberem o que dizer, o Presidente da República e ilustres académicos proclamaram urbi et orbi que a proposta-de-lei era boa. Uma chatice!
Não havendo, por isso, qualquer racional para metralhar os governantes socialistas, os furões dos orçamentos encontraram uma coisa lá no meio – o aumento do Imposto de Circulação (IUC).
Não é um aumento generalizado, sim um aumento para os veículos anteriores a 2007 que ficaram a salvo quando foram introduzidas as componentes ambientais no mesmo imposto. Ainda em 2023 tivemos IUC diferentes, por vezes o dobro, de carros da mesma marca e com a mesma cilindrada tratando-se de registos de 2007 ou 2008.
A nenhum contestatário ouvi uma justificação para que exista uma diferença de tratamento entre veículos em circulação. Nada pode justificar que as viaturas de 2010 paguem incomensuravelmente mais do que as de 2006.
Olhando para as viaturas ainda em circulação, com idades superiores a 2007, poderemos constatar que +/- 40% delas pertencem a empresas; 25% são de famílias proprietárias de mais do que um veículo, por vezes mais do que dois; 25% são de particulares com um só veículo e cerca de 10% já são consideradas clássicos, beneficiando até de seguros especiais patrocinados pelas seguradoras.
Será, pois, no universo das famílias com menos posses que a questão do aumento do IUC se deve colocar.
O Governo, prevenindo, introduziu uma limitação, em 2024, nesse mesmo aumento: 25 euros em 2024 – 0,06849315068493150 euros/dia. Este é o esforço que se pede. Olhando outras despesas, para alcançarmos um termo de comparação, poderemos indicar que quem consumir um maço de tabaco/dia desembolsa, por ano, 1.825 euros.
As redes sociais são a esplanada da mentira e, mais uma vez, o IUC não fugiu a essa mentira. Aumentos de 300% a 1000%, era o que se dizia. O boneco com mais likes pregoava que um Nissan Patrol GR Turbo D de 1998, que paga hoje 60,64€, iria passar a pagar 799,09€, mais 1218%. Só não disseram que seria em 2053, quando nem uma roda se aproveitaria e a maior parte de nós já tivesse morrido.
No mesmo sentido foi Miranda Sarmento quando escreveu no Eco: “ O segundo, é o da proporcionalidade. Ao fazer aumentos que podem superar os 500%, o efeito fiscal fere este princípio. Além disso, em alguns casos, o valor do imposto não andará longe do valor comercial da viatura.” E escreve ainda: “Uma carrinha que pagava 22,48€ não passa logo para os 156,82€, mas passará para 47,48€ em 2024, ainda assim um aumento de 110% num ano.
Tenho por Sarmento estima e admiração, mas estes argumentos não são de um académico reconhecido nem de um político credível. Não sabe que só duas rodas de um carro velho podem valer mais do que o imposto no mercado das peças usadas.
Quando se explica o que verdadeiramente está em causa, os interlocutores afiam argumentos novos – sim, em 2024 são 25 euros, e nos anos seguintes? A esta pergunta só se pode responder – as Finanças já esclareceram que o travão continuará a existir, mas se tiverem dúvidas esperem pelo Orçamento de 2025 e nessa altura se perceberá que o Governo não é um bicho papão.
Não satisfeitos com a clareza dos argumentos, logo vem a lengalenga de que o Governo dá com uma mão e tira com a outra. Ora, tal conversa não faz qualquer sentido.
A proposta de Orçamento determina uma redução no IRS de 1.327 milhões de euros. Este dinheiro deixa de estar à mão do Estado para passar a estar na livre decisão dos portugueses, poupando ou gastando. O IUC terá um aumento na receita de 98 milhões num total de 60.130 milhões de euros.
Passemos agora para mais dois argumentos insanos. O primeiro é o que liga o IUC ao aumento dos subsídios para o abate de veículos em fim de vida; o segundo, mais tonto, é o que o entronca com a redução das portagens das antigas SCUT’s.
Convirá esclarecer que os orçamentos não têm receita de impostos consignada. É uma matéria de primeiro ano nos cursos de economia, gestão, direito, contabilidade, solicitadoria. Por isso, as opções que cada Governo segue são independentes das receitas específicas de cada imposto.
Este espaço de debate é tão irreal que se chega a dizer (volto a Miranda Sarmento): “ (…) as viaturas que já existem não poluem por si só, apenas quando são utilizadas para deslocações. Novas viaturas é que poluem quando são fabricadas.” Não esperava!
O segundo argumento é o das portagens. A redução dos valores em certas autoestradas, que foram construídas para não terem essas mesmas portagens, não é mais do que uma política de justiça, de equilíbrio territorial, de competitividade e de combate à desertificação e ao despovoamento.
Ouvi a Zero dizer que a redução dessas portagens é o contrário do que se deveria fazer. As pessoas deveriam ser impelidas ao uso do transporte coletivo, deveríamos retirar o transporte pesado dessas rodovias.
Senhores, não há transportes públicos, nem haverá sem fortíssima subsidiação estatal, nas terras por onde passam a A24 e a A23. Não há vias alternativas ou são cemitérios rodoviários como é o caso da Via do Infante.
O que entristece é o facto de cada asneira dita por Francisco Ferreira ser considerada uma descoberta de Prémio Nobel para uma certa gente que enchouriça notícias. Mas alguém do Governo logo veio dizer que a redução das portagens no país marginalizado pode não voltar a acontecer. A política de coesão, que deveria ser estrutural, parece andar ao sabor do clamor do momento.
Que regresse o bom senso. Olhe-se a realidade como é e negue-se a contaminação facebookiana que leva a petições patéticas e a debates inconsequentes. O Orçamento do Estado para 2024 é muito bom e isso é o que interessa defender a todo o custo. Conta a intoxicação feita pela mentira e pelo obscurantismo, marchar, marchar!
Ascenso Simões