Interior esquecido, mulheres castigadas

Hoje, o negro das cinzas confunde-se com as vestes, as capuchas e os xailes que lhes acalentam os invernos. Tudo é negro no desalento do eterno recomeçar.

  • 9:22 | Quarta-feira, 16 de Outubro de 2019
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Nas aldeias despovoadas e envelhecidas do interior, consequência de políticas de desvalorização do mundo rural e da produção local, elas ficaram para além da emigração dos homens, elas sobrevivem à viuvez, elas cuidam das habitações dos senhores que moram na cidade.

São elas que vestem o negro da ausência, que cuidam dos netos quando os filhos rumam em busca do sustento, hoje como ontem, para além da fronteira espanhola nas carrinhas que os levam e trazem no intervalo de erguer paredes no país alheio.São elas as guardadoras de um modo ancestral de relação com a terra, com os animais.

São elas as cuidadoras de flores de soalheiro, que conhecem, em designações que lembram as mesinhas e as rezas de bem fazer.


Os afectos, os autênticos, são elas que os cultivam no afagar dos animais que ganham nome de gente, ao ritmo do cuidar quotidiano que lhes enche os dias da solidão, porque ficaram sós, sobreviventes às perdas e ao esquecimento.

Hoje, o negro das cinzas confunde-se com as vestes, as capuchas e os xailes que lhes acalentam os invernos. Tudo é negro no desalento do eterno recomeçar.

Foi esta cultura ancestral capaz de contribuir, de forma activa, para a gestão dos combustíveis. Foi a cabrita que lhes dava o leite diário que roeu o mato. Foi a horta familiar que cuidou o terreno, evitou o mato. Foi a eira e o tanque colectivo, elementos relevantes nesta identidade descuidada e desvalorizada.

Não está feito este balanço e devia ser feito, mas certamente nas aldeias mais despovoadas deste interior esquecido, são elas, as mulheres, as mais castigadas neste drama evitável que se abateu sobre as aldeias e vilas, onde o silêncio pesa a cada dia que passa sobre as labaredas malditas. Ainda passa. Dois anos depois.

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Publicado em Opinião