Incêndios, outra vez

Não quero estar aqui a diabolizar o eucalipto. Mas de facto, num contexto de alterações climáticas e tendo em conta que é uma espécie altamente inflamável, tal como resistente e reprodutora do fogo, apostar por este modelo de gestão florestal é errado como temos visto ao longo dos últimos anos. 

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  • 10:55 | Sábado, 28 de Setembro de 2024
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O programa “Linha da Frente” da RTP fez mais uma reportagem, desta vez sobre os incêndios que assolaram o país nos dias 15, 16 e 17 de setembro deste ano. A reportagem intitula-se “589“, que foi o número de ignições que ocorrem nestes dias.

Para além de já nos ter habituados as reportagens tendencialmente sensacionalistas, às vezes com falta de contraditório, por vezes conseguimos retirar alguns dados importantes destes trabalhos:

Temos a salientar, com profundo pesar, a morte de 3 bombeiros pertencentes à corporação de bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha, no concelho de Tábua, quando estavam a combater o incêndio que deflagrou no concelho de Nelas e que rapidamente percorreu o concelho de Carregal do Sal até chegar às povoações de Vila do Mato e de Póvoa de Midões, no município tabuense.


De acordo com as informações que existem, inclusive referidas na reportagem do “Linha da Frente”, os 3 bombeiros estavam a combater o incêndio num eucaliptal que é propriedade da Altri. A Altri é uma empresa portuguesa de produção de celulose que nos leva a ter boas recordações, como os efeitos da grave poluição sentida em Vila Velha de Ródão, junto ao rio Tejo, devido à produção industrial de pasta de papel que ali se localiza.

Para esta multinacional, a produção industrial está fortemente associada à plantação de extensas áreas de monocultura arbórea de espécie exótica e invasora, o eucalipto. Teoricamente e tendo em conta a narrativa que se tenta passar, estas plantações estão livres de fogos devido ao investimento e recursos que elas têm, seja a nível de recursos humanos, seja a nível de investigação e aperfeiçoamento. Não há nada mais falso e a realidade justifica esta afirmação.

Não quero estar aqui a diabolizar o eucalipto. Mas de facto, num contexto de alterações climáticas e tendo em conta que é uma espécie altamente inflamável, tal como resistente e reprodutora do fogo, apostar por este modelo de gestão florestal é errado como temos visto ao longo dos últimos anos.
Com incêndios desta dimensão e agressividade precisamos de uma gestão florestal segura e protetora do meio ambiente e do território, que possivelmente passará longe deste agronegócio.

Isto também poderá ser um aviso à Galiza, já que a Altri prevê um investimento de 850 milhões de euros para construir uma unidade industrial de raiz que tem como objetivo produzir 200 mil toneladas de pasta de papel solúvel e 60 mil toneladas de fibras têxteis. O projeto está previsto para a província de Lugo, em Palas de Rei, e já está envolto numa forte contestação das populações e de movimentos ambientais com uma campanha denominada “Altri non!”.
Outro ponto referenciado na reportagem do “Linha da Frente” é a questão dos seguros de vida, já que os seguros dos bombeiros falecidos será diferenciado e trará várias complicações, tal como referiu o presidente da corporação de bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha.
Um dos bombeiros falecidos era membro da equipa permanente daquela corporação, ou seja, estará abrangido por um seguro de acidente de trabalho, mas as duas bombeiras por serem bombeiras voluntárias só estarão abrangidas por um seguro pessoal fornecido pela autarquia.

Ora, se os bombeiros têm todos acesso às mesmas formações, sejam bombeiros da equipa permanente, sejam bombeiros voluntários, porque é que os seguros não são iguais se, como vimos, se enfrentam aos mesmos riscos? O seguro deveria ser feito com base nas ações e na exposição ao risco e não com base no regime laboral do bombeiro.

Acho que não vale a pena voltar a repetir as frases feitas do que “isto nos sirva para aprender e para não se voltar a repetir”. Já ouvimos isto em 2017, voltaremos a ouvir agora, mas precisamos de mudar, de facto. Precisamos de repensar a política florestal, de decisores com coragem para assumir que este modelo, subserviente de um estilo de produção industrial que não protege as florestas nem a população, não é o adequado para Portugal.

Devemos olhar para os bombeiros, que na sua maioria, voluntariamente, deixam as suas casas para proteger as populações e os seus bens, para proteger as matas. Devemos protege-los neste trabalho, a eles e as suas famílias.

Custa-me muito acreditar nas teorias da conspiração que circulam por ai: um projeto de 47 milhões de euros de painéis solares em Aveiro é responsável pelos incêndios naquele distrito, porque? Esta empresa estará preocupada em gastar uns quantos milhares de euros para limpar os terrenos onde irão ser implementados os painéis num projeto que engloba 47 milhões de euros? Não me parece.

Os pedidos de prospeção de minério são os das áreas ardidas? Projetos que se beneficiam de interesse nacional para assim evitar contratempos com os proprietários fariam isto para que?

Acredito mais no negócio do eucalipto e na ilusória rentabilidade que isto poderá trazer para os proprietários. Cada vez mais estes incêndios estão localizados em áreas benéficas para o desenvolvimento desta espécie, zonas com bastante água (zona do Vouga, de Aveiro, do Mondego, etc) e com muitos vales. Não arderam zonas só despovoadas, não ardeu só o interior abandonado.

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Publicado em Opinião