Todos conhecemos alguém que a propósito de tudo e de todos tem sempre uma história, um provérbio ou uma fabula para acrescentar à conversa.
O meu contador de histórias é um homem de oitenta e tal anos, que não me lembro de o ter conhecido de outra forma. Para além de ser um homem de bem com a vida e com os outros, bem disposto, tem uma inteligência e um sentido de humor, do mais apurado e acutilante que a sua escola de vida lhe proporcionou.
Um contador de histórias tem que possuir características muito especiais como sentir, viver e fazer viver a história e estar seguro sobre o que vai contar, realçando os pormenores, para que quem ouve se concentre na história. Um bom contador de história também tem que ser um bom ouvinte e ter um espírito inventivo e original. O meu contador de histórias tem tudo isto, aliado a um sentido de oportunidade desconcertante.
Certa manhã o contador de histórias sentou-se junto da neta desgostosa e inconsolável e contou-lhe a seguinte história: Quando tinha catorze anos, saí pela primeira vez sozinho com o meu cavalo para ir buscar uma carga de azeite lá para os lados da Pesqueira. O azeite naquele tempo era transportado em odres, recipiente feito de pele de animal, geralmente de cabra, usado para o transporte de líquidos, em cima do lombo dos animais como os cavalos.. Quando cheguei perto de casa apercebi-me que um dos três odres estava praticamente vazio. O azeite pinga sobre pinga foi-se perdendo por entre montes e vales na longa e difícil jornada. Um dos odres tinha sido mal apertado! Não era tarefa fácil para um rapazito! Tinha que se apertar muito bem e com muito cuidado as saídas do pescoço e das patas do animal. Quando me apercebi do prejuízo causado fiquei de tal forma aflito, sem saber como havia de contar o sucedido ao meu pai . Quedei-me durante horas em redor da minha casa, parecia um cachorro assustado com o rabo entre as pernas, adiando até ao limite a difícil conversa e provavelmente o sermão que iria levar . De repente o meu pai chamou-me e perguntou-me com segurança e autoridade o que é que me afligia, porque é que eu ainda não tinha descarregado a carga do azeite. A tremer como varas verdes e completamente acagaçado respondi que um dos odres tinha perdido quase todo o azeite.
O meu pai ouviu aquilo que provavelmente já adivinhava e com calma e sabedoria disse-me algo que eu nunca mais esqueci durante toda a minha vida. Sabes rapaz, só aperta bem o odre pela vida fora quem o aperta mal na primeira vez. A partir de hoje, nunca mais inicias a viagem com uma carga de azeite, sem antes verificares as vezes que forem necessárias até teres a certeza que o odre está bem apertado. Este prejuízo será lucro no futuro!
Também tu minha neta, não apertaste bem o odre nesta tua primeira viagem, tens que ver o que é que faltou, onde devias ter investido mais, se fizeres essa análise no próximo exame vais ver melhor os pormenores, vais trabalhar um bocadinho mais e vais ter mais cuidado em apertar o odre para que o azeite não se perda. As falhas na vida só são falhanços, se elas não nos levam a transforma-las em lições de vida para o futuro.
O meu contador de histórias é mesmo assim, é capaz de transformar um mau ovo estrelado em ótimos ovos mexidos!