A pergunta que está no título deste texto não é feita em círculo reduzido, ela está na cabeça de cada vez mais portugueses. Afinal, os casos mediáticos que correm nos tribunais escondem a realidade das centenas de milhares de diligências que a cada ano são realizadas pelos agentes do sistema, as greves dos funcionários judiciais, prolongadas e às escondidas, dá uma ideia de falta de comando.
A Justiça é muitas coisas, desde os casos em que se condenam políticos só porque o são, às incompreensíveis recusas de uma mera perícia neurológica porque o arguido deve ter penas agravadas de natureza social para além das que resultarem dos julgamentos.
Mas há uma outra Justiça e é para ela que eu quero alertar. Se o Ministério considera desnecessário ter uma assessoria de imprensa, se acha uma maçada ter colunistas a falar bem do seu trabalho, então eu quero fazer, por minha conta, um balanço.
Passemos à formação dos trabalhadores. Uma das peças centrais dos tribunais do tempo de hoje é a capacitação dos dirigentes desses tribunais. Terminou o tempo do improviso, da inexistência de avaliação, da incompatibilidade entre a aplicabilidade do Direito e a boa gestão dos recursos humanos e materiais. Nos últimos seis meses foram já formados para a Nova Justiça mais de uma centena de dirigentes que são gestores de projeto nas áreas de gestão estratégica, transição digital e liderança.
Agora a produtividade dos tribunais. Os grandes processos, que são tão do agrado de um grupo de magistrados vedeta, transportam para as famílias a sensação de que o país não existe para condenar, que os poderosos terão os seus processos prescritos.
Ora, a estatística desmente essa ideia generalizada. Em 31 de dezembro de 2022, Portugal tinha o número mais reduzido de processos em trânsito desde 1996, menos de 500 mil, que deve comparar com os mais de um milhão e setecentos mil de 2012. Uma grande conquista que ninguém refere, que o poder político parece desconhecer.
E há um apontador ainda melhor – a duração média de um processo na justiça penal é … 7 meses, um dos melhores indicadores da Europa.
Como é que isto foi possível? Com mais recursos humanos, com melhores processos e com menos trabalho escravo. Um exemplo desse caminho é o sistema em trânsito que vai levar à transformação completa das salas de audiência. O investimento de 15 milhões de euros vai mudar tudo em 1.400 salas onde os criminosos se sentam, havendo ainda uma prioridade para o cuidado da audição de crianças com a criação e renovação de 120 salas especiais.
Os advogados lamentavam-se da pouca capacidade dos sistemas para aceitarem processos de grandes dimensões. Ora, faltam três meses para que isso deixe de ser um problema e tenhamos menos tempo e menos papel gastos pelos agentes do sistema. Mas há ainda uma novidade excelente – Portugal está na linha da frente da inteligência artificial para a Justiça. Já arrancou o sistema de anonimização das decisões judiciais com recurso a algoritmos e esse processo começa exatamente num dos cirros do nosso sistema, os tribunais administrativos.
Quem é operador na Justiça sabe do martírio que existia para se gravarem as audições em processos e a sua dispensa em extratos. A introdução das cópias online em streaming terá poupado, no ano 2023, mais de 6 mil horas de trabalho aos Oficiais de Justiça portugueses.
Passemos agora à área dos registos onde parece que tudo anda para trás.
O sistema de criação de empresas da mais recente geração permite hoje que uma nova entidade nasça dez minutos depois da introdução dos primeiros dados; todos os itens necessários são disponibilizados a partir da informação interligada dos sistemas e os processos podem passar a ser trabalhados em inglês, uma disponibilidade que só existe em cinco países europeus de forma automática.
Quem nasce em Portugal passou a ser cidadão à distância de um clique. Um processo único que emite o Cartão de Cidadão sem que os pais andem de balcão em balcão no dia em que o que devem fazer é festejar com uma grande “narsa”.
Durante semanas o povo das redes sociais brincou com o facto de ter havido um membro do Governo que tornou vitalícia a Certidão de Óbito. A pergunta que mais se lia era a de se saber se para o Ministério da Justiça a morte não era perpétua. A morte era, mas a certidão não era porque por nova cópia havia uma taxa.
Há um secretário de Estado que poucos conhecem e que é o responsável pela maioria dos trabalhos que acima identifiquei. Chama-se Pedro Tavares. Muito provavelmente não será do seu agrado muita exposição, não será sequer sua ambição uma vida política longa. Mas Tavares é o Colombo sem ovo que acabou com a temporalidade da morte certificada, é o motor das muitas coisas que acima identifiquei. É para ele, que navega na desnecessidade de uma assessoria de imprensa, que credito o agradecimento público da sua qualidade profissional.
Ascenso Simões