Gente boa

Há poucos meses, um seu camarada, um activo tóxico, sem pulsão de governante e a contas com a justiça, escolheu passear o cão. A Duarte Cordeiro, assentam-lhe como uma luva as austeras vestes da solene gravitas. É um exemplo raro de desapego às bolorentas cadeiras estofadas de um poder em agonia.

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  • 13:36 | Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
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Duarte Cordeiro é dos melhores ministros deste governo. Ainda jovem, tem dado mostras, no exercício da sua função, de competência e de maturidade. Olhando para ele, percebemos que é possível fazer obra, sem ser estouvado. Que é possível caminhar firme, sem arrastar os pés. Que se pode meter a mão na massa, sem deixar rabos de palha. Que se pode ser enérgico, sem ser leviano. Que ponderação e juventude não são inconciliáveis. Fez uma gestão serena, mas assertiva, da difícil pasta do Ambiente e da Acção Climática, áreas que, interna e externamente, vivem momentos conturbados de muita agitação e fácil instrumentalização.

É uma excepção num grupinho onde, em alegre convívio, se juntam, em apreciáveis quantidades, a mediocridade e a inexistência políticas. Cruzei-me com ele, há anos, na candidatura presidencial de Manuel Alegre, ele era director nacional da campanha e eu coordenador distrital. Já então, sabia ouvir e sabia agregar. Deu agora mostras de um carácter invulgar. Por o Ministério que tutela ter sido buscado, no âmbito da “Operação Influencer”, e só por isso, entendeu não ser este o tempo de novamente se candidatar ao Parlamento. Mesmo sem ser arguido, muito menos acusado, julgou-se diminuído na sua capacidade eleitoral, e, assim sendo, tirou daí as mais óbvias consequências. “Optei por sair de cargos públicos, nesta fase. É uma decisão pessoal.” E tudo em defesa do seu bom nome, património moral por que ele zela e quer manter em resguardo, e que tantos hipotecam por tão pouco.

No meu entendimento, embora exagerando na decisão, deu uma chapelada a todos os que, arcando com sérias suspeitas sobre si, a muito custo e só empurrados abandonam os lugares que exigem seriedade à prova de bala.

Há poucos meses, um seu camarada, um activo tóxico, sem pulsão de governante e a contas com a justiça, escolheu passear o cão. A Duarte Cordeiro, assentam-lhe como uma luva as austeras vestes da solene gravitas. É um exemplo raro de desapego às bolorentas cadeiras estofadas de um poder em agonia. Num palco onde se digladiam egos dilatados e estúpidas vaidades, oxalá que não se deixe enlamear com as tentações do mando. O polvo é grande, os braços são poderosos e, por vezes, a carne é fraca. Por enquanto, não há nódoa que lhe suje a roupa, o que, só por si, e olhando ao contexto, é uma enorme vantagem.


Se o monstro judicial der em coisa nenhuma, se Duarte Cordeiro puder enfim respirar de alívio, e se as coisas correrem mal a Pedro Nuno, pode o PS contar com ele, num tempo de sucessão. Sem esquecer que em qualquer governo é sempre uma marca de credibilidade e de confiança, condição que um futuro primeiro-ministro, mais atento ao mérito do que ao amiguismo, não se dará ao luxo de enjeitar, na hora de recrutar os titulares das diferentes pastas.

Portugal e os portugueses precisam de se reconciliar com os partidos, máquinas que tradicionalmente alimentam uma rede de clientelas videirinhas e de seguidores acríticos, carecem de voltar a acreditar nas boas e rectas intenções dos seus líderes, de confiar na qualidade e seriedade dos eleitos, enquanto fiéis depositários da ética republicana.

Para isso, nada melhor do que, sem demagogias e sem histerismos, escolher políticos com vida própria, impolutos e honrados, capazes de olharem para o País antes de se focarem no partido, dispostos a preocuparem-se mais com o futuro dos portugueses do que com as medidas fáceis, que dão votos e popularidade.

Se assim não for, e assim não se fizer, perto estarão os tempos em que muitos, mesmo os mais bem intencionados, reclamarão por uma IV República.

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Publicado em Opinião