Quem também andava por Lisboa nesse mês de Outubro era o próprio Belisário Pimenta, de imaculada costela republicana e anticlerical.
Às vezes, as palavras saem com uma ironia tão certa que não vale a pena substituí-las. O anticlericalismo de Belisário Pimenta era mais intransigente do que imaculado. No passeio ocidental do Rossio, viu passar, por entre a multidão, «três autênticos frades». A sua surpresa foi grande: «Era coisa que não via desde 1908 quando andei um pouco às voltas na Galiza.» E a repugnância ainda maior: «O aspecto deles, sem má vontade, era reles. A cara alvar de cada um e o ar de certo espanto e ao mesmo tempo de desafio – deram-me, talvez sem querer, na vista. Não há dúvida: havia um misto de soberbia e de pacovice.»
Belisário Pimenta não defendia expressamente a expulsão. «Deixá-los lá gozar este S. Martinho.» Mas gostava que qualquer coisa acontecesse. «Têm direito a isso enquanto a tempestade não surgir mais perto.» Que tempestade, senhor Coronel? Não me lembro de nenhuma tempestade nos quase oitenta anos que decorreram desde esse dia. Muitas pessoas deixaram de ir à missa, mas Fátima nunca foi tão próspera. Há frades que saem sem expulsão, como os cartuxos de Évora, velhos, sem seguidores, incapazes de atrair vida à clausura do mosteiro. Afinal, a tempestade pode ser apenas uma demorada agonia.
Nuno Rosmaninho