É necessário avivar a memória do Sr. governador do Banco de Portugal (B.P.) sobre as conclusões da auditoria forense que identificou 21 infrações no caso BES respeitantes à violação das determinações que o B.P. impôs a partir de dezembro de 2013 até ao final de julho de 2014.
São também relevantes as conclusões das anteriores audições na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso BES/GES, que não podem servir apenas para “entreter” os portugueses. Daí resultaram várias constatações irrefutáveis, entre as quais, a ausência atempada de informação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) por parte do B.P.
Por isso, ficam algumas questões:
1º – Quando o Sr. governador determinou uma provisão jurídica-contabilística para o pagamento aos clientes que adquiriram papel comercial na Instituição de Direito BES, até 15 de Fevereiro de 2014, porque é que permitiu que o dinheiro tivesse saído dessa conta para beneficiar credores privilegiados do Dr. Ricardo Salgado, tendo este desobedecido reiteradamente ao B.P. e originado atos de gestão ruinosa no BES e em todo o sistema bancário?
2º – Será que o Sr. governador deixa de ter responsabilidade em relação à supervisão prudencial e comportamental, quando declarou, a menos de um mês antes da resolução, em 03 de agosto de 2014, que “no pior cenário, havia no BES folgas suficientes que garantiam tanto os depositantes como os investidores em papel comercial“?
3º – Não constituirá falha grave, quando a 07 de Agosto de 2014, o B.P. emitiu um e-mail com o seguinte teor: “A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes de retalho do BES de papel comercial do GES foi transferido para o Novo Banco“?
4º – Estará cabalmente esclarecido porque é que o B.P., aceitou que a seguradora Tranquilidade fosse avaliada pela consultora PwC em 730 milhões € (“nota técnica” do B.P. – pág. 4), para resolver um problema do grupo BES/GES, quando valia apenas 250 milhões €? E porque é que a entidade de supervisão, aceitou uma garantia fictícia já que o seu valor representava cerca de um terço da dívida?
5º – Não devia o Sr. governador do B.P. colocar o lugar à disposição, mesmo sendo inamovível e/ou antes de poder (ou não) ser exonerado por “falha grave”?
Algumas constatações:
– Quando o B.P. conheceu a verdadeira situação da ESI e da Rio Forte começou por obrigar a constituição de uma conta escrow no valor de setecentos milhões de euros. Segundo conclusão da auditoria forense, foram consentidas desobediências por parte do B.P. que permitiu que houvesse saídas de fundos (740 milhões de euros, dos quais 500 milhões para clientes do segmento “private” e 239 milhões para clientes privilegiados de Ricardo Salgado). O mais grave é que a saída desses fundos serviram interesses de clientes com aplicações em offshores e liquidação de empréstimos bancários junto do BCP e do Montepio.
– A comercialização fraudulenta (“mis-selling”) do papel comercial violou as próprias regras fiduciárias, os mais elementares deveres de informação, transparência e lealdade com a agravante de o B.P. ter permitido a venda com contas manipuladas, sabendo-se que as empresas estavam falidas.
– A CPI BES/GES mostrou que o supervisor estava (alegadamente) refém do banqueiro Ricardo Salgado, pois perante todas as desobediências deste e as alegadas falhas graves do B.P., a verdade é que no dia 30 de julho de 2014, o BES anunciou prejuízos semestrais históricos, de 3,6 mil milhões de euros e só quatro dias depois o B.P., anunciou uma medida de resolução.
– Como se não bastassem as desobediências do banqueiro do regime que adulterou e ocultou os problemas do BES, também não podemos esquecer as declarações públicas (a um mês do descalabro final) do Presidente da República, do Primeiro-ministro e do próprio governador do B.P. quanto à solidez do BES, garantindo-nos que o papel comercial do GES, vendido aos balcões do BES, estava salvaguardado por provisão (conta escrow com 700 Milhões de Euros) que apenas podia ser utilizada para pagar aos clientes de retalho, mediante o consentimento tácito do B.P. (cf. audição do Presidente da CMVM em 14-7-2015, na CPI).
Aquando das audições, o Sr. governador do B.P. queixou-se aos deputados da CPI que não tinha afastado mais cedo Ricardo Salgado pelo facto do governo não ter aceite uma proposta de alteração legislativa que permitia ao supervisor, em caso de ter indícios seguros de falta de idoneidade de um administrador, afastá-lo (conforme “nota técnica” distribuída aos deputados da CPI). Desta forma, o B.P. parece refugiar-se na lei, considerando que só depois de duas condenações judiciais que confirmassem “a gravidade e reiteração das infrações” é que um administrador de um banco podia ser afastado por falta de idoneidade.
Por tudo isto, é do mais elementar bom senso que se determinem as diligências resultantes das conclusões da CPI remetidas ao Ministério Público, para que este promova (em tempo útil) a responsabilização civil e criminal dos infratores que não podem nem devem ficar impunes.