Falhámos todos!

Nos últimos os dias, a onda de vandalismo, ressurgida nos bairros problemáticos de Lisboa, Sintra e Setúbal, estoirou na comunicação social, sempre atenta a estes fenómenos de primeira página, e está a ser vista como fruto do racismo sobre a comunidade africana e da intolerância policial.

  • 10:11 | Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2019
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Nos últimos os dias, a onda de vandalismo, ressurgida nos bairros problemáticos de Lisboa, Sintra e Setúbal, estoirou na comunicação social, sempre atenta a estes fenómenos de primeira página, e está a ser vista como fruto do racismo sobre a comunidade africana e da intolerância policial. Não sei bem se será assim tão simples. O rastilho que ateia, de uma forma tão forte, a chama da violência, tem génese noutros acontecimentos e noutra era, e, disso, os culpados somos todos nós.

Com o processo da descolonização das ex-colónias, milhares de africanos, optando pela cidadania portuguesa, a única que conheciam e na qual acreditavam, fugiram para Portugal, enfrentando as maiores dificuldades e os maiores receios. Se ficassem, muitos, seriam abatidos. A sua ligação ao colono, amigável e muitas vezes quase familiar, não lhes deixou alternativa. Milhares tinham lutado contra os movimentos independentistas ao lado dos portugueses e, esses, foram as primeiras vítimas, juntamente com os familiares. Veja-se o caso do Comandos Africanos da Guiné, cuja chacina, pelas novas autoridades, dizimou a quase totalidade dos que ficaram. Os exemplos de carnificina, prisões arbitrárias e castigos infligidos pelos novos senhores, vieram a dar-lhes razão.

Num tempo em que os portugueses de raça branca sentiram dificuldade de integração na sua pátria, como foi o caso dos “retornados”, os negros, cuja portugalidade não poderia ser posta em causa, sentiram na pele o abandono dos governantes, que preocupados em democratizar a nova sociedade portuguesa, deixaram que fossem ocupando espaços na periferia de Lisboa e arredores, à revelia do qualquer regra urbanística, social e integradora, criando bolsas de pobreza e sem qualquer coesão social. Assim, nasceram territórios dominados por gangs de jovens, sem escolas ou espaços decentes para ocupação dos tempos livres, que se criaram à margem da legalidade. Portugal fechou os olhos a quem quis ser português. A cor da pele fez a selecção.


Angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos e guineenses, ergueram bairros, com as suas próprias regras, sob a vista de quem não quis ou não soube ajudar. O governo português, olhou para o lado e despejou no esgoto da memória política, os problemas da vivência diária e das necessidades das comunidades africanas que, sem uma orientação legítima, à qual tinha direito, cresceu e multiplicou-se, ficando abandonada perante os olhares sempre críticos, mas passivos, de todos nós. A viverem em condições inumanas de exclusão e pobreza, sobreviveram e proliferaram à moda das famílias africanas: com muitos filhos e fechados em guetos cuja vivência, usos e costumes os remetiam à sua terra natal.

Estes africanos, portugueses, com raras e honrosas excepções, fizeram vida nas profissões mais básicas e foram os construtores de Lisboa e do Algarve, as lavadeiras, as criadas de casa e de limpeza de milhares de famílias. Vieram substituir os nossos emigrantes, que desde os anos 40, partiram em busca da “terra prometida” para os EUA, Brasil, França e Alemanha, principalmente. Foram sempre cidadãos com pouca integração social, e a quem o Estado falhou completamente.

Os “bairros problemáticos” são, pois, um quebra-cabeças de todos nós, porque os políticos não quiseram e o resto da sociedade não foi solidária. Salva-se a Igreja Católica, que, amiúde, foi amparando e ajudando dentro das suas limitações. Acomodados num território sem regras ajustadas ao novo país e à nova realidade, sem escolas para dar a instrução necessária, com a calamidade do desemprego, vivendo em casas degradadas e sobrelotadas, a juventude foi crescendo como pôde, aprendendo a sobreviver de expedientes e parasitismo, sob o olhar crítico de quem poderia e deveria ajudar a alterar a situação. Cresceu controlada pelas máfias da droga, no banditismo, nos roubos e na violência.

Há, entre esta bandidagem, profissionais na promoção de desacatos e quem pretenda criar conflitos que desestabilizem o país. Fazem-no por motivos racistas, por motivos políticos e para enfraquecer uma sociedade cada vez mais manuseada pela comunicação social e pelas redes sociais. Nada de admirar! Nós deixámos que assim fosse.

As falhas do Estado na resolução destes problemas, tem 40 anos de vida. Os bairros da Quinta da Fonte em Loures, da Quinta do Mocho em Sacavém, da Bela Vista em Setúbal, da Cova da Moura na Amadora e da Quinta da Princesa no Seixal, onde pontificam os portugueses africanos, não são diferentes do bairro do Cerco em Campanhã, do Aleixo e de Pinheiro Torres em Lordelo do Ouro, no Porto, com predominância de portugueses brancos. São, ao todo, 18 territórios quase ingovernáveis onde a autoridade policial tem dificuldade em actuar e, quando o faz, encontra sempre tentativas de impedimento por parte de alguns moradores, através de agressões, ameaças e destruição de viaturas.

Estes últimos dias, um crescendo de violência gratuita tem assolado a capital e arredores, e, não podemos escamotear, que parte é alimentada, na maioria, por jovens de raça negra, desenquadrados com a sociedade e arredados das oportunidades de trabalho e formação. Criam intranquilidade, fazem vandalismo, atiram bombas contra esquadras, impedem o cumprimento da lei na actuação da polícia, apedrejam e destroem património de terceiros e público, e no seu território, criam um clima de medo entre as pessoas de bem, a quem roubam, exploram e ameaçam. A polícia faz o que pode com os meios que tem. A intransigência e agressividade dos prevaricadores, a sua contínua falta de respeito pela autoridade, aliadas à tibieza dos tribunais no julgamento de casos em que os agentes das forças policiais são vítimas, aceleram a acrescem ressentimentos, que em caso de conflito, vêem à tona, expressos em bastões e balas de borracha. Se há excessos policiais -e há- os tribunais são brandos com os “maus” e maus com os “bons”. As forças policiais têm de ser activas, confiáveis, fortes e decisivas na resolução destes conflitos. A tolerância da polícia é muitas vezes confundida com passividade, e, na hora de manter a ordem pública, não há bandidos “coitadinhos” nem pode haver contemplações com desrespeitadores da paz social. Todas as pancadas que caiam no chão, são ensinamentos que se perdem.

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