Estava escrito nas estrelas

Com a desistência de Biden, a disputa ficou mais equilibrada, e já não serão as favas contadas que se antecipavam. Já agora, a propósito, e para que os pratos da balança fiquem equilibrados, e considerando ainda que não vai para novo, convinha que Trump aceitasse submeter-se a testes para avaliar da sua condição mental. E usando da mesma diligência e pressa com que os exigiu ao concorrente directo.

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  • 16:26 | Segunda-feira, 22 de Julho de 2024
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Com bom tempo, só mesmo um tonto, apontando para o céu, vê a ponta do dedo e não enxerga a lua.

Não havia condições para Biden continuar, coitado, acrescento eu, embora me repugne a palavra, que aqui tem toda a propriedade. Era dispensável a apresentação das credenciais de bruxo ou diploma de cartomante. Depois do desastre que foi a sua prestação no debate com Trump, acumulou outros erros – trocar Zelensky por Putin seria patético se não tivesse um efeito devastador nas dúvidas que se levantavam sobre o seu bem-estar cognitivo – a que juntou quedas e tropeções físicos, reais, globalizados pelas televisões.

A Covid 19 foi mais um incidente como detalhe importante foi ter anunciado que se os médicos assim o entendessem, se retiraria. Foi um abrir de caminho, uma porta aberta para o anúncio de ontem, que, aos mais atentos e experimentados, já se adivinhava.


Cercado por figuras influentes do Partido Democrata, que, em privado, como convém, o aconselharam a retirar-se, assim como pelos candidatos aos demais sufrágios que decorrem em simultâneo, a 5 de Novembro, tementes de uma derrocada quase inevitável, Biden saiu da corrida. Para bem do país e do partido, disse. Ficou-lhe bem, sendo certo que na circunstância não podia afirmar coisa diversa.

Fica para mais tarde, porventura para ainda esta semana, nas declarações prometidas, a mágoa, o remoque, a contrariedade que se notou nas indisfarçadas rugas do rosto, no arquear das sobrancelhas, no olhar ausente. O que não referiu foi que lhe fugiram os paus com que se fazem as canoas, os milhões de dólares que os financiadores, essenciais a uma campanha longa, pesada e cara, lhe estavam a negar, caso persistisse em ir para a frente, sozinho, a lutar contra o gigante ferido  que uma bala tresloucada transformou em herói imprevisível.

Tivessem continuado os apoios e Biden teimaria, crente que estava que só ele venceria Trump. Só talvez mesmo ele, na solidão do poder, na cápsula que envolve os políticos, não percebesse a sua incapacidade e não tivesse consciência da sua fraqueza.

A corrida eleitoral ameaçava tornar-se uma penosa prova de obstáculos, que ele não superaria. E Biden seria, muito provavelmente, o opositor que o truculento adversário mais facilmente venceria. O candidato democrata não tinha condições mínimas para estar aos comandos de um país, fosse ele qual fosse. Faltava-lhe energia, combatividade, rapidez, raciocínio, agilidade, destreza, discernimento.

Saiu sem honra, empurrado, atirado borda fora, quando deixou de servir ou, com a sua obsessão, pôs em perigo uma possível vitória. Foi uma saída humilhante, porque na sua vaidade, não soube perceber o seu fim.

Todos temos o nosso, mas os políticos provam mais cedo o seu sabor amargo. Os eleitores flutuantes, os que não têm pouso certo, mas que por terem volume viram a balança, não suportam fracassos e desarredam quem lhes turva o momento de glória. Desapiedados, afastam os vencidos com a mesma arrelia com que enxotam as moscas. O rolo compressor, que esquece os afectos, a máquina trituradora, que não perdoa falhas, o plano inclinado, que pende para o lado dos ganhadores, impuseram a sua força, na hora das decisões que verdadeiramente contam. O resto é um desinteressante teatro de marionetas que os homens do “guito” sustentam, enquanto ganham tempo para deliberarem o que fazer.

Na política, uma geografia de oportunidades e ambições, onde caminham lado a lado os apoios e as traições, onde em mistura compassada se cantam os hinos e as marchas fúnebres, onde num ápice os heróis passam a proscritos, Biden era já um velhinho simpático, um estorvo, um embaraço, nada mais.

Na política, ninguém quer conviver com derrotados ou ver por perto quem não se apresente com o cheiro característico do poder: afrodisíaco, cativante, tentador, estimulante, sedutor.

 

 

Na política, não há gratidão nem memória, valem a novidade e a surpresa, e a estas todos se rendem. Por isso, amanhã ainda se ouvirá falar do gesto “nobre” de Jo, assim o impõe o cinismo coreográfico dos políticos, mas daqui a três/quatro dias o interesse estará em quem lhe sucede, e as luzes iluminarão talvez Kamala.

Até Trump, um tipo sem modos, tão centrado em Biden, tão focado nas suas vulnerabilidades, que tratou com crueldade e mesquinhez, terá agora de repensar a estratégia para enfrentar uma personagem nova, que ele logo desvalorizou, mas que o estará perturbar, surgindo imprevisível e ainda a tempo de vencer.

Com a desistência de Biden, a disputa ficou mais equilibrada, e já não serão as favas contadas que se antecipavam. Já agora, a propósito, e para que os pratos da balança fiquem equilibrados, e considerando ainda que não vai para novo, convinha que Trump aceitasse submeter-se a testes para avaliar da sua condição mental. E usando da mesma diligência e pressa com que os exigiu ao concorrente directo.

Para concluir, usando de humildade séria, sem traves nem argueiros nos olhos, sabemos de ciência exacta que entre democratas e republicanos não há assim grande diferença, basta atentar na política externa, onde convergem, sempre imperialistas, incoerentes, com dois pesos e duas medidas.

Mas entre um qualquer democrata, básico que seja, e um tipo como o Trump, sempre desagradável e perigoso, há uma civilização a separá-los.

 

(Fotos DR)

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