Escravaturas sorridentes
Há no nosso distrito empresas que impõem contratos proibindo(ilegalmente)que as trabalhadoras estejam inscritas num sindicato
A violência sobre as mulheres é uma violação dos direitos humanos em geral e dos direitos das mulheres em particular, constituindo uma forma de discriminação intolerável, um obstáculo à plena participação das mulheres na vida económica, social, política e cultural, com efeitos no desenvolvimento e no progresso do país. Um crime que não pode ser justificado pela cultura, tradição, religião ou relação de poder dentro da família.
Existe em Portugal legislação relativa à prevenção da violência doméstica, à protecção das vítimas bem como à penalização dos agressores. Legislação que tem de ser plenamente aplicada, o que não tem acontecido.
No que respeita ao mundo laboral a realidade é muito dura e silenciada.
Sabemos como as discriminações das trabalhadoras, seja do setor privado ou da administração pública central ou local, são usadas como instrumento de exploração. Que as desigualdades salariais, diretas ou indiretas, são uma realidade indissociável do ataque à contratação coletiva e às remunerações do trabalho. Conhecemos os mecanismos utilizados para mascarar os números do desemprego, que elas desistem de ir ao centro de emprego, se conformam na exploração dos CEIS, nas formações, na precariedade e nos estágios profissionais. Apesar disso, os números não escondem a realidade: o desemprego nas mulheres é superior ao dos homens. Em Outubro de 2016 elas somavam 82% dos desempregados em Moimenta da Beira, 52% em Viseu, 55% no Sátão. Números oficiais muito aquém da realidade.
Joana é doutorada por uma universidade italiana. Na lista de docentes da escola superior onde trabalha a recibos verdes, o nome dela não consta. É o anonimato da precariedade com face de mulher: sem direito a licença de maternidade, horas de amamentação ou aleitamento, ameaçada de ser dispensada por se ter atrevido a ser mãe.
Margarida luta desesperadamente por dar apoio ao pai que sofre de uma doença degenerativa, por ser mãe e pai de dois filhos, por concluir o doutoramento que não lhe garante o fim da precariedade como docente do ensino superior.
Celestina partilhou no local de trabalho a felicidade de estar grávida. Alguns dias depois não conseguia levantar-se da cama. Ficou “de baixa” sem adivinhar o que a esperava. Em casa, recebeu uma carta de “rescisão do contrato por caducidade”. Estava grávida de três meses. Tanto na PT como na empresa de trabalho temporário que a subcontratava, a Autovision, negam qualquer tipo de discriminação.
Uma breve passagem pela página da internet da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego)permite perceber a quantidade de queixas endereçadas a este organismo por despedimento de grávidas, puérperas e lactantes. Queixas atendidas. Quantas situações idênticas silenciadas?
Há no nosso distrito empresas que impõem contratos proibindo(ilegalmente)que as trabalhadoras estejam inscritas num sindicato, onde regularmente são vistas ambulâncias que dão assistência a trabalhadoras a quem é recusada pausa para comer.
Fernanda, é auxiliar de acção médica num hospital público. Até o filho completar 12 anos, como o marido é camionista em transportes internacionais e raramente estava em casa, usufruiu do direito a flexibilidade de horário para cuidar do menor a seu cargo. Para além dos 12 anos, o Código do Trabalho não reconhece esse direito. Pode uma CRIANÇA desta idade ficar em casa, sozinho, enquanto a mãe cumpre o turno da noite? Deve uma criança de 12 anos ir a uma consulta médica sozinho? Como entender esta contradição: para o Código do Trabalho, 12 anos de vida expressam autonomia, para a protecção de menores, a idade da adultez é fixada nos 18 anos!
Outras mulheres sofrem de assédio moral no local de trabalho, calam o medo e a revolta. Abdicam de direitos que são seus e dos filhos. Cumprem horários de 9, 10 e 12 horas por salários de miséria. Fazem turnos nos hipermercados que as privam de satisfazer necessidades fisiológicas e da vida em família. Há mulheres que abortam no local de trabalho porque o patrão não lhes concede o legal direito a não desenvolver determinados esforços, há mulheres que silenciam a gravidez com medo do despedimento e assim perdem os direitos de maternidade. Há mulheres idosas que repartem as parcas pensões de reforma com filhos e netos desempregados. Mulheres que têm problemas no acesso a cuidados médicos em consequência da destruição a que o Serviço Nacional de Saúde tem estado sujeito nos últimos anos. Mulheres vítimas de várias violências, nomeadamente doméstica, por ineficácia da lei.
Há mulheres sujeitas à maior de todas as violências, o tráfico para exploração sexual, para fins de prostituição. Meninas genitalmente mutiladas. Brutalizadas em cenários de guerra, escravizadas.
Cidadãs, trabalhadoras e mães, é tempo de acabarmos com as escravaturas sorridentes!