Começámos o ano de 2020 ainda com a esperança renovada pelas festas, num Portugal social diferente: ainda com abraços e beijos. Sem máscaras e mais sorrisos. Mesas de café ao fim de tarde apinhadas de conversas e brindes à amizade e às lutas do hoje e do amanhã. Jantares no carinhoso tasco do costume em mesas de dez, onde cabiam vinte. Mas nem tudo era brilho áureo, a transformação do social, em estrutura e fluidez, era igualmente necessária.
O caso, e seus contornos, da morte de Giovani adivinhavam um ano que veio a ser vincado pelo, impensável, questionar e negar do racismo, bem como pela global luta antirracista. Homenagens, vigílias e manifestações antirracistas começaram em Janeiro e com Giovani, mas repetiram-se globalmente em Junho, com a morte de George Floyd, e em Agosto, em Portugal, com a morte de Bruno Candé.
Mas com o avançar dos dias a ameaça, inicialmente distante, da pandemia foi-se aproximando, chegando ao país em março. O covid-19 marcou profundamente 2020, assim como as nossas vidas. Revelou o papel central e preponderante que um Serviço Nacional de Saúde, público e acessível a qualquer pessoa, deve ter, mas revelou todas as mais sensíveis fragilidades do país.
Vivemos ainda a crise do setor dos cuidados, desnudada pela pandemia. Continua a ser urgente repensar toda a forma como vemos quem é mais velho. Quem veio antes de nós merece mais, merece melhor, merece dignidade. Mas também que dedica a sua vida a quem está em situação de dependência, quem prescinde de muito – por vezes de demasiado – para cuidar, merece mais, merece melhor, merece dignidade. Cuidar e cuidar de quem cuida, são traves basilares de uma sociedade de gente feliz e sem medo de viver e envelhecer.
Apesar do confinamento, ou mesmo aproveitando o mesmo, também o ambiente e o planeta, apesar de não ter versão ‘B’, continuaram a sofrer ataques reiterados. Na nossa região, por exemplo, continuaram com a mesma frequência de sempre as descargas poluentes e o império da monocultura do eucalipto. A pandemia não pode servir de desculpa para esquecer a centralidade que a questão ambiental e a emergência climática devem ter na discussão social e política.
Agora que estamos na viragem para um novo ano, os votos não podem ser outros: que 2021 seja um ano com mais saúde e mais valorização do SNS; um ano em que o planeta é ‘A’ maiúsculo, um ano sem mulheres assassinadas, um ano de maior liberdade de ser e de amar, um ano com mais dignidade laboral, um ano com mais cultura, um ano mais justo e com mais rua, um ano de maior respeito por todos os seres, um ano com mais abraços.
Que este período festivo, neste ano mais de recolhimento do que de convívio, sirva para recarregar o ânimo e a força para as lutas vindouras. Que sirva para valorizar as mais pequenas conquistas e as mais pequenas maravilhas da vida e do mundo. Que seja, assim, momento de gratidão, mas também de inconformação e de intransigência no reivindicar do que nos é devido e do que é devido ao Mundo e às suas gentes.
Boas festas para toda a gente!