A associação ambientalista Zero tem feito, nos últimos dias, uma grande berraria a propósito do investimento em novas redes de distribuição de gás natural.
Está claro que esta orientação nos liga, de imediato, à ambição de muitos ambientalistas em consagrarmos, exclusivamente, redes de eletricidade como forma de abastecimento energético.
Tal posição não é única e vem sendo assumida, também, pelas forças poderosas que as grandes companhias de eletricidade foram construindo em todo o mundo. Há uma espécie de monotema quando se fala em transição energética associada à crise climática– a eletrificação.
A invasão da Ucrânia veio trazer novos argumentos aos eletromilitantes. Ou seja, precisamos de mais redes de eletricidade, de mais renováveis, de mais investimentos em tudo o que pode parecer também renovável, desde que seja para injetar nessas redes de eletricidade. Tudo o que seja gás, natural ou renovável, aparece agora como bête noire.
Portugal parece viver uma espécie de clamador dotado de ciência única. Porém, todo o mundo já percebeu que o gás natural é a energia de transição e que esta deve continuar a ser utilizada por se revestir de menores impactos ambientais quando comparada com o petróleo ou o carvão.
E mais, a construção de mais armazenamento de gás natural, a assunção do destino de Sines como porta de entrada desse gás natural e o acordo, por parte de Bruxelas, para os investimentos necessários às interligações com o resto da Europa, dizem que o gás natural vai andar por aqui nas próximas três décadas. Seria, por isso, um contrassenso se quisermos ser a porta de entrada do gás natural para a Europa e não o aproveitássemos no nosso território.
Comecemos pelo princípio. Quando se fala dos relevantes investimentos que Portugal terá de realizar, para continuar a fazer chegar o gás natural a alguns territórios relevantes, tentando propalar que são custos superiores, estaremos a pensar, também, nos investimentos que terão de ser feitos nas redes de transporte de eletricidade para acomodarem a demanda que se espera nos próximos 10 anos?
E estamos a refletir profundamente sobre os riscos de se ter um sistema energético nacional em 80% dependente de eletricidade transportada por via aérea em situação de calamidade ou catástrofe?
A soberania energética consagra-se assumindo que temos condições para produzir perto de dois terços das nossas necessidades de energia internamente, mas isso depende de muitas variáveis.
Por outro lado, há a segurança de abastecimento. Portugal não pode pôr em causa a sua realidade de fornecimento por estar dependente de um único sistema. Em nenhum setor de atividade, mesmo na nossa vida pessoal, a redundância, a alternativa, devem ser sempre previstas.
Ora, quando falamos de gás não estamos só a falar de gás natural. Estamos a falar de muitas outras coisas que têm a ver com a energia mas também têm a ver com a economia circular.
Portugal e a Europa apostam em duas linhas no âmbito gasista. A primeira é a que se prende com o hidrogénio; a segunda com o biometano. Em ambos os casos estamos ainda muito atrasados nos investimentos e no enquadramento legal das atividades.
A Comissão Europeia alertou mesmo, também na passada semana, para este nosso atraso e que já teve, da parte do Governo, a imediata e acertada resposta.
Neste cenário, precisamos de pensar se não faz sentido levar as redes de gás a todas sedes de concelho, cumprindo as obrigações de concorrência entre fontes, de equilíbrio de rendimentos e de oportunidades de fixação de indústria e serviços.
Uma pergunta que muita gente faz é a que se liga com a inexistência de distribuição de gás natural em quase todo o Algarve. E a essa pergunta quase ninguém sabe responder. Nesta região turística, que se releva economicamente relevantíssima, o que ainda se vê são “botijas de gás” caríssimas e ambientalmente não recomendáveis, o tal propano que já tem sentença de morte há muito. Mas, ao negar-se a construção de redes de gás, por agora ainda o natural e depois os renováveis, o que estamos a fazer é enormizar um custo de que ninguém fala, de muitas centenas de milhões de euros, em redes de transporte de eletricidade.
Portugal precisa de ter uma boa rede de transporte e distribuição de eletricidade e precisa de ter redes de distribuição de gás natural, por agora, e renováveis num curto espaço de tempo, que possam integrar um sistema energético sustentável e seguro.
O cenário geral parece estar bem claro na cabeça de António Costa, Duarte Cordeiro e João Galamba. Pelo menos foram esses os sinais que deram aos portugueses na passada semana.
Água e Sol são recursos que não dependem de nós, os humanos. Mas o biometano pode ser tudo o que quisermos usar a partir dos lixos ou das lamas das estações de tratamento dos esgotos.
Este é o princípio. Fazer de Portugal um país soberano e seguro em termos energéticos, capaz de utilizar todos os recursos que aqui existem. No universo do gás, das suas redes,o hidrogénio, carente ainda dos leilões, e o biometano, necessitando de enquadramento geral, são caminhos que não poderemos deixar para trás.