E os abutres a pairar

É o neo-liberalismo de vento em popa, o mercado especulador a trabalhar a mil à hora, são alguns abutres a pairar, a anediarem-se com a miséria de alguns milhões e, naturalmente, a louvarem a guerra a jusante que, se a alguns trás o desespero, a perda, a morte, a eles propicia mais uns milhares de milhões de lucro fácil.

Tópico(s) Artigo

  • 18:01 | Domingo, 23 de Outubro de 2022
  • Ler em 2 minutos

Viseu parece encher-se, a cada semana que passa, com novos supermercados.

Não há uma saída ou entrada da cidade que não tenha um, dois ou três desses espaços que, depois, vão repetir-se e abrir nova casa no polo oposto.

É bom de ver que o negócio é prospérrimo, justificando-se deste modo a sua proliferação. Aliás, convém dizer-se que o consumidor sairá beneficiado, pois mais tem por onde escolher na relação de preço e qualidade dos produtos. Ou pelo menos assim esperamos que aconteça.


E contudo, se o dinheiro escasseia no bolso dos portugueses, se as queixas de todos nós são unânimes e recorrentes (os ricos não se queixam pois em tempos conturbados e de especulação dobram as fortunas), não deixa de ser curioso assinalar que, num país com 4 milhões de habitantes no limiar da pobreza, se encontrem os supermercados a abarrotar de gente, alguns clientes a comprar desaforadamente bens de segunda e terceira necessidade, acessórios para encher a Arca de Noé e fazer face a um longo, longo dilúvio.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, neste mundo global, provocou disfuncionamentos terríveis que se alastraram a todo o globo. Com a chantagem do gás veio a reboque a escalada de preços da energia eléctrica e dos combustíveis fósseis, na absoluta dependência dos quais nos encontramos, levando ao pré-colapso das economias e à possível recessão de muitos antes opulentos países.

Por cá, recém-saídos de quase mil dias de uma devastadora pandemia, eufóricos por estarmos com saúde, quase esquecemos “peanuts” como a inflação, a carestia galopante do custo de vida, os salários que não lhe fazem face e… cereja em cima do bolo, o inverno que está à porta sem, nos podermos aquecer, sendo os pobres e os idosos, os do costume, a pagarem sem terem com quê.

Os donos da electricidade, do petróleo, da banca e outros mais de igual cariz andam afanosos a contabilizar os milhares de milhões de lucro que este “estado de sítio” lhes deitou nos fundos regaços, como os proprietários dos mega mercados que, por exemplo, compram todo o leite disponível no mercado e o armazenam prescientes da sua subida, fazendo-me lembrar um velho tosco e rijo das Terras do Demo, negociante de batatas, que construiu armazéns para encher com toneladas desse tubérculo, respondendo a quem o procura para comprar que está tudo esgotado, convicto do momento certo em que abrirá portas ao mercado vendendo pelo dobro ou pelo triplo do adquirido.

É o neo-liberalismo de vento em popa, o mercado especulador a trabalhar a mil à hora, são alguns abutres a pairar, a anediarem-se com a miséria de alguns milhões e, naturalmente, a louvarem a guerra a jusante que, se a alguns trás o desespero, a perda, a morte, a eles propicia mais uns milhares de milhões de lucro fácil.

 

(Foto DR)

 

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião