Há sete anos, logo no início da Geringonça, Pedro Passos Coelho profetizava que o “diabo” não tardaria. A solução governativa engendrada iria pôr de pantanas as contas públicas, iria fazer regredir o investimento privado por falta de confiança dos empresários e, por fim, iria fazer regressar o desemprego a níveis insuportáveis.
Nos quatro anos seguintes, Mário Centeno mostrou que Passos se tinha enganado. A cada dia contrariava, também, as observações de Rui Rio (tal prémio nobel da contabilidade portuense) e, por fim, Portugal atingia níveis no défice, no investimento e no desemprego tão interessantes que muitos dos economistas, amigos do tal diabo, se pelavam na praça pública.
Veio a pandemia, depois a guerra, e os colunistas da ala direita anunciavam, de novo, o diabo. Portugal iria enfrentar, sem uma política correta e prudente que Costa nunca conseguiria fazer, um tempo muito duro de inflação e de crise.
A palavra crise é, em Portugal, a mais escrita. No Observador ela está em doses massivas a cada linha. E em certas páginas do Expresso Economia é a matriz de quase todos os anosos colunistas. Este país, se se quisesse bem, deveria retirar do seu dicionário essa tal palavra – crise. Em crise vivemos desde 1140 e ainda cá estamos, cantando o fado, usando diminutivos e respondendo a cada pergunta – vai-se andando!
É esta visão miúda que leva os jovens a deixar-nos e a irem pelo mundo. Claro que os salários são baixos, as rendas são altas, mas o que os jovens não suportam mesmo são as nossas cabeças piquenas.
O jornal espanhol El Economista fazia, em meados do mês passado, uma análise da evolução económica dos países do sul da Europa e considerava que, quando comparamos o nosso país com os mais afetados pela crise internacional de 2008/2009, Portugal tinha surpreendido. O título ampliava a lição económica que estávamos a dar à Europa, um milagre que não tinha fim, dizia o corpo do longo texto.
A Lusa, a abrir um dos dias do final de abril, diz ao povo português que a economia da Zona Euro tinha avançado, no primeiro trimestre, 01,%. Porém, Portugal havia registado a maior subida em cadeia (1,6%), bem atestados pelo Eurostat. Era, ainda, a terceira maior subida do PIB face ao trimestre anterior e a terceira maior (2,5%) na comparação com o período homólogo.
É também no final do mês passado que voltamos a ter notícias pelo Expresso. As exportações haviam subido 13,3% no trimestre primeiro do ano da graça de 2023. Os números eram extraordinários, uma vez que BCE e FMI haviam convergido em indicadores bem menores e o Banco de Portugal, não sendo tão maléfico como o seu banco maior, também se havia enganado.
O início do presente mês o Eco afiançava uma redução muito significativa da inflação. 5,7% em abril era a mais baixa desde março de 2022, o primeiro mês da guerra. Quando Portugal e Espanha criaram o mecanismo para a limitação dos preços do gás natural e, por essa via tamponaram o preço da eletricidade, meio mundo houve a desconfiar da ideia, mas foi mesmo a energia o elemento que mais contribuiu para a descida da inflação. Portugal, segundo a SIC, alcançará, em 2024, uma taxa de inflação de 2,7%.
Este fim de semana as notícias eram terríveis. Bruxelas revia em alta o PIB para 2023 e concedia um valor – 2,4%. Disseram os comentadores de serviço que era pouco, os mesmos que tinham passado os primeiros meses a dizer que Portugal iria regressar aos crescimentos anémicos. Só que 2,4% é, tão só, o terceiro maior da zona euro. E a nota sobre o investimento era ainda mais interessante, fruto da queda dos preços globais das matérias primas.
Estes indicadores são, portanto, muito relevantes quando analisamos o crescimento da nossa economia, a redução da inflação, a descida dos juros, o incremento das exportações, o regresso, em grande, do investimento. Isto tudo junto é um míssil no argumentário dos lideres políticos conservadores e liberais. Centeno, primeiro, e agora Fernando Medina foram acertando em todos os porta-aviões do inimigo.
Temos vindo a constatar o nascimento, a partir da Escola de Economia da Universidade do Minho, de uma elaboradíssima teoria: o país vai bem apesar do Governo. Fernando Alexandre e Luís Aguiar-Conraria são os paladinos de uma nova leitura em que o país vai bem e que o Governo só atrapalha. Conraria, com a graça que lhe é caraterística, inventou até, no texto de 5 de maio, uma personagem de nome Hildegarda que, não querendo responder a uma pergunta de um teste, forjou, ela própria, a sua pergunta e a esta deu a melhor resposta. O autor não será mesmo essa Hildegarda?
Alexandre, no Observador, afirma-se brincalhão. Diz que o Governo não acerta uma porque, imagine-se, conseguiu alcançar, em 2022, o objetivo de 50%, nas exportações fixado pelo mesmo Governo para 2027. Ou seja, o Governo deve ser sovado por ter antecipado, em cinco anos, um dos objetivos mais relevantes da sua política económica.
Fernando Alexandre recoloca Conraria e refere os três factos económicos recorrentes que implicam Portugal: o aumento dos níveis de incerteza na economia global, os erros nas previsões do Governo e o bom comportamento da economia. Este ilustre professor, ex-membro do Governo da Troika, sabe bem que os níveis de incerteza são, no tempo presente, contingência para todas as economias e que, pelo diapasão das agências de notação, Portugal continua a enrijecer; também sabe que o bom comportamento da economia portuguesa se deve à credibilidade externa de Portugal e à capacidade de atração de investimento que vimos garantindo sem falhas; mas sabe, muito bem, que todas as previsões do Governo, desde há sete anos, foram sempre ultrapassadas positivamente. Que grande chatice é esta de termos um Governo com este tipo de erros de previsão…
Quando, em 2021, Alexandre preparou o programa económico para a candidatura de Rangel à liderança do PSD, toda a sua análise anunciava o caos. Hoje, em conjunto com Conraria, anunciam o caos anti-caos – um Governo que governa tão mal que até tem uma política de crescimento excecional reconhecida internacionalmente.
Bill Clinton ganhou as eleições de 1992 a George Bush porque a economia norte-americana tinha entrado em recessão grave. Nessa altura, James Carville, um cérebro da campanha democrata, dizia sobre a escolha já feita – é a economia, estúpido! Bem podem estar à espera de eleições antecipadas. Com a economia com esta performance nem São Ventura pode valer a conservadores e liberais.
Ascenso Simões