Despovoamento não é desertificação

É como se os pobres nascessem com super cola 3 nos pés, impedindo-os de descolar da base da distribuição dos rendimentos.

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  • 11:09 | Quinta-feira, 09 de Novembro de 2023
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Comprei o livro “Desertificação em Portugal”, da autoria de Maria José Roxo. Foi uma sensação estranha quando, logo na nota introdutória, percebi que comprei o livro com um pressuposto errado. Deixei-me levar pelo título, esta é a verdade, confesso.

A autora informa, logo à partida, que “desertificação não é despovoamento”. Interesso-me, há alguns anos, pelo fenómeno do despovoamento do interior e consequente litoralização do nosso país, agravada pela crónica bicefalia do eixo Lisboa / Porto.

A confusão entre «desertificação» e «despovoamento» é comum: “A frequência com que a palavra é erradamente usada pela classe política, que se apropriou do termo, constitui um dos fatores que justifica a fraca adesão à implementação de ações concretas de mitigação e de combate [leia-se à desertificação]. Um exercício interessante é analisar como, em Portugal, políticos e decisores com diferentes níveis de responsabilidade falam de «desertificação humana», «desertificação física», «desertificação dos solos», termos que a comunicação social reproduz igualmente.”


 

Numa rápida pesquisa nos media online, comprovamos a veracidade da afirmação: “Desertificação do interior: um interior, demograficamente desertificado, onde as oportunidades de emprego escasseiam e a resignação parece ser a palavra-chave.” (Público); “A tendência da desertificação dos territórios do interior é conhecida e o último relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre os resultados dos Censos 2021 veio atualizar os números desta realidade.” (Expresso, 20/02/2023); “Neste momento, temos uma desertificação principalmente de trabalho. As pessoas vão tanto para o litoral como para outros países à procura de melhor vida, e nós estamos a ficar com pessoas já com alguma idade, que se reformam e que vêm à procura das origens. Estamos com muito pouca gente aqui na região.” (Rádio Renascença, 10/11/2021).

Aprendi com o erro. Comprei o livro para aprofundar conhecimentos sobre um dos dramas do interior do país, a falta de gente (despovoamento) e aprendi a distinguir dois conceitos que se confundem. A desertificação é um desafio igualmente importante: “um dos processos mais alarmantes de degradação ambiental” (Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas, 2006).

A desertificação é um fenómeno ambiental complexo com efeitos na degradação dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade. Pode a leitura não corresponder à expectativa inicial, mas permite-nos, invariavelmente, aprender.

Também aprendi o que significa «solo pegajoso» ao ler o artigo “Chão pegajoso: nascer pobre é uma fatalidade?” (Susana Peralta, Público, 03/11/2023). A professora de Economia da SBE dá nota de “uma imagem comum nas discussões académicas acerca da mobilidade social: a do solo pegajoso”.  É como se os pobres nascessem com super cola 3 nos pés, impedindo-os de descolar da base da distribuição dos rendimentos.

O relatório publicado pela OCDE “A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility” conclui que uma criança que nasça hoje numa família que se encontre nos 10% com menos rendimentos não alcançará, durante o seu percurso de vida, a média dos rendimentos das famílias. Nem ela, nem os seus filhos, nem os seus netos, talvez os seus tetranetos sejam bafejados por melhor sorte… A mobilidade social não passa de uma miragem observada, à distância, por aqueles que gravitam na bolha do teto pegajoso. 

 

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Publicado em Opinião