Repentista, como sempre, Marcelo anda um tanto ou quanto desastrado. Dele, espera-se o exemplo e o cumprimento das boas práticas. As audiências aos partidos antes do apuramento final dos resultados é uma etapa sem sentido cívico, uma deselegância institucional.
Embora seja muito difícil que haja uma alteração substantiva nos votos e nos mandatos, a verdade é que o bom-senso recomendava que tudo se fizesse em concordância com a normalidade. Ouvir todos, depois de tudo se saber. A seu tempo. Sem saltar etapas. Diziam os mais antigos que as cadelas apressadas parem os cachorros malucos. Na sua sabedoria simples, acertavam no juízo final. Bem que o PR, na sua sofreguidão doentia, os podia ter ouvido. Mas este foi o segundo percalço.
O primeiro viu a luz do dia quando Marcelo, num gesto traiçoeiro, na vizinhança do acto eleitoral, disse que faria tudo para que o Chega não fosse para o governo. Ocorreu-me que o PR não tinha de se imiscuir na vontade dos eleitores. E querendo condicioná-la, acabou por soltar a fera que entrou desembestada pelas assembleias de voto adentro. Talvez tenha dado um empurrãozinho para a surpresa acontecer.
Estas interferências são absolutamente negativas. Têm um piquinho a mofo e a bolor. E agora? Mesmo excluindo a sua participação no governo, como ignorar a importância de mais de 1 milhão de votos e 48 deputados eleitos, que com os votos da emigração poderão ser 50? Como contrariar a sua presença na mesa da AR, no Conselho de Estado e no Conselho Superior do Ministério Público? E proibindo-as, onde anda o respeito pela vontade popular? Bem sei que agora a teoria simplista é baptizar o Chega de fascista e apoucar os seus votantes, mas isso é redutor e míope. Acontece, porém, esta evidência: as”cruzinhas” no Chega são tão válidas quanto todas as outras. Nem mais nem menos. E não há 1 milhão de portugueses racistas e xenófobos radicais. Saudosos de um Estado securitário e descontentes com a contemporânea barafunda, talvez. Seguindo o histórico recente, tirava-me das minhas humildade para alvitrar que não se construam cercas sanitárias em redor do Chega. Só será combustível para alimentar a fogueira da vitimização fácil. E o partido inchará, até robustecido, nas próximas eleições, se puder continuar a capitalizar essa segregação, se continuar confinado às bancadas do Parlamento, impedido da representação noutros órgãos.
Sejamos claros e audazes, tiremos as teias de aranha dos olhos, o problema não está no Chega, reside no descontentamento popular, a questão não está nos dirigentes do Chega, encontra-se no modo arrogante e impune de fazer política, durante 50 anos.