As eleições legislativas do passado domingo em Espanha, fizeram regressar o debate sobre a independência da Catalunha. Digo Catalunha porque é aqui que está concentrado, por agora, o principal foco de divergência entre as entidades autonómicas e o poder nacional, onde se vivem as questões relevantes das prisões de políticos independentistas e dos mandados de detenção de outros que ainda desempenham cargos europeus. Mas a questão vai colocar-se a cada dia com mais acuidade e as Espanhas não poderão fugir ao assunto no momento em que a Escócia voltar a reclamar um referendo que pode determinar o fim do Reino Unido.
Em Portugal são poucos os que se afirmam defensores de novos Estados para a Catalunha e para o País Basco, vivemos uma autêntica imposição do politicamente correto, mas historicamente desmiolado. Habituámo-nos a ver Espanha com uma tal dimensão e uma tal realidade, que nem pensamos nos argumentos que trouxeram os processos independentistas até aqui.
Sou propugnador da criação de novos Estados e em especial o basco e o catalão. E há razões históricas, de direito internacional e até de equilíbrio ibérico para que assim me pronuncie.
Portugal existiu, durante séculos, convivendo com reinos vários no espaço territorial a ocidente dos Pirenéus. Até aos Reis Católicos, os processos de agregação ou desagregação eram o resultado de casamentos entre Casas ou de conquista pelas armas. As Espanhas só se confirmaram, na sua grandiosidade, a partir do século XVI.
Há, até, uma realidade que importa, no tempo corrente, ter em conta – Filipe VI mantém, ainda hoje, a identificação segregada de vários reinos (Castela, Aragão, Leão, Granada, Toledo, Valência…) o que diz bem da especificidade nativa da circunstância política e institucional das Espanhas.
O processo independentista catalão não é só partilhado por republicanos ou por gente de esquerda. Ele atravessa todos os campos partidários, vai para além dos questionantes da tipologia do regime. Esta realidade verifica-se também, talvez de forma ainda mais viva, em Euskadi.
Mais inteligentes foram os ingleses com a criação de uma ligação simbólica entre o soberano e os novos territórios independentes integrantes do antigo império, alguns de dimensão assinalável e de importância económica relevante.
O direito à autodeterminação dos povos, como elemento central da política de afirmação das realidades culturais, políticas e económicas, é a base central da política internacional do último século. Não se encontra qualquer razão, que não seja meramente particular e assumida por uma maioria de cidadãos de outros territórios, para se impedir o caminho próprio a uma comunidade concreta. É, por isso, que acarreta suscitar, no debate internacional, a reclamação para a permissão, pelas instituições espanholas, de um referendo constitucionalmente aceite e politicamente válido.
A Constituição pós-franquista não tem válvulas de escape para a situação que as Espanhas vivem neste momento. Se a luta armada pela emancipação do País Basco consagrou a unidade contra o terror, será impossível, nas próximas décadas, conseguir uma unidade de todos os espanhóis perante um desejo legítimo, livre e democrático, de uma Nação, seja ela a catalã ou a basca.
O Reino das Espanhas não pode ser só o que tem sido, a supremacia castelhana sobre os demais. Espanha carece de mais flexibilidade institucional, de mais liberdade de ação das comunidades, de uma outra leitura sobre a participação das regiões na construção europeia.
A Catalunha, o País Basco e todas as restantes regiões autónomas que o quiserem, devem ser autorizados a seguir o seu caminho. Essa só pode ser a posição dos países europeus. A autodeterminação não é só uma obrigação que resulta do fim do colonialismo, ela deve ser um caminho para o futuro de todos os povos.
Ascenso Simões