Crise pandémica versus crise gestionária da COVID-19

Faz-se muita coisa certa (isso seria inevitável num país de gente muito qualificada), mas, o problema é que em situações de risco extremo, como num incêndio de grandes proporções, uma só falha, tem por sistema, condições para provocar a catástrofe – a famosa metáfora do elo fraco que permite a fuga ao cão

Tópico(s) Artigo

  • 22:11 | Segunda-feira, 18 de Maio de 2020
  • Ler em 30 minutos
Resumo

Propomo-nos contribuir, com alguns elementos de estratégia e de cultura organizacional, para ajudar a fundamentar uma proposta de redefinição da gestão da crise pandémica em Portugal, a qual não colida com a paralisia (parcial, mas significativa), da designada economia real, ou seja, aquela que está baseada na continuação da circulação/abastecimento amplo de bens e serviços. Parece-nos óbvio que uma pretensa prioridade à saúde não pode deixar as populações sem bens essenciais.

Os serviços que impliquem contacto, mas indispensáveis, têm que poder ser totalmente assegurados. Não basta, como veremos, parar a atividade para conter o coronavírus – o SARS-CoV-2. A regra deveria ser, antes: proteger, de forma eficaz, todas as pessoas frágeis, sem exceção, face à doença epidémica que assustou o mundo – a Covid-19; massificar à exaustão o teletrabalho; restringir atividades pessoais dispensáveis aconselhando o isolamento social (pela educação das pessoas); abrir as escolas, com o pessoal saudável e com os professores fragilizados a ensinar via plataformas digitais; a quem pode trabalhar, dar liberdade de circulação.

De facto, alguns estudos revelam que: 30% das pessoas não sentirão quaisquer sintomas em face da exposição ao vírus; 55% sentirão os efeitos, como no caso de uma gripe sazonal. Esta população seria mantida em atividade, pelo que solar estes 85% da população não serve de nada (masoquismo social). Por sua vez, 10% será atingida com gravidade, e essa terá de ser salvaguardada, para dar tempo aos serviços de saúde para poderem responder. Dependerá, daqueles, evitar que 15% (dos 10%) morram. Por fim, 5% serão atingidos com extrema severidade, podendo morrer 50% deles. A gestão da crise, da forma proposta, permitiria que os primeiros 85% desenvolvessem anticorpos para poderem ser inoculados nos grupos de risco.


O êxito do combate aos efeitos da Covid-19 depende de um fator absolutamente crítico, urgente e muito fácil de começar a sua implementação, garantindo que todas as organizações começassem a ser dotadas de condições para poderem dispor de equipas encarregadas de garantir (por etapas sucessivas) uma elevada fiabilidade nos serviços que prestam (de acordo com Karl Weick e colaboradores). Em situações de crise, com risco de evolução para catástrofe, a eficácia e a eficiência da resposta dependerá, efetivamente, do sentido coletivo e da implementação de uma cultura de adaptação e de resiliência, implicando interações respeitadoras e calorosas entre todos os membros de cada organização.

O combate ao SARS-CoV-2 (quando se instala sob a forma de Covid-19), e a defesa das pessoas vulneráveis, aparentam ser duas questões técnico-médicas interconectáveis: complicadas em si, mas de implementação simples, uma vez definida a estratégia de testar/curar e garantir o isolamento social (equipamentos de proteção e comportamentos de higiene). Há uma terceira questão (nesta equação) da qual depende a eficácia última do sistema organizacional em que as pessoas se movem: e esta obedece a duas condições extremamente complexas. A complexidade de um sistema aparenta, por sua vez, não passar do domínio do óbvio. Por isso, as suas características mais salientes, a resiliência e a alta fiabilidade, não fazem parte, habitualmente, das preocupações dos gabinetes de gestão das crises, isto é, não se cuida de pensar que um descuido, de um só dos muitos atores em interação, faz gorar todo o esforço de todos os restantes intervenientes, com elevados custos materiais e humanos.

O texto discute as questões médicas, técnicas, comportamentais, as quais em conjunto criam uma condição organizacional de extrema complexidade para a gestão da crise.

Introdução

Contexto geral. É sabido que a crise que se instalou, progressivamente, por todo o mundo, e em Portugal já desde os primeiros dias de março, traduz-se numa perturbação dramática da economia, afetada, simultaneamente, do lado da procura e da oferta. A simetria das crises não passou despercebida, aos economistas, desde as primeiras horas da instalação do pânico, em muitos estratos da população, antes mesmo do estado de emergência. O presente texto levanta a questão organizacional subjacente às soluções técnico-políticas em curso, que parecem tratá-las como desconectadas e suscetíveis de poderem ter uma abordagem e um tratamento sequencial. Ora tal não é possível sem disrupção sócio-económica e, salvo algum “milagre da chuva” de dinheiro, vai ter de se chegar à situação de circulação das pessoas quando as empresas já não tiverem condições financeiras de funcionamento.

Abordagem teórica

A abordagem teórica que propomos serviria para se proceder a uma contextualização específica da atividade económica.

Esta crise pode ter condições para se prolongar por tempo indefinido, porque o empresariado e o governo do nosso país tendem a ceder a certas modas como: prescindir de atividades industriais[1], mesmo as mais estratégicas; não melhorar a qualidade da participação dos trabalhadores nas decisões organizacionais e, concomitantemente, das relações laborais (Philippon, 2007)[2]; não cuidar adequadamente da capacidade inovadora e digital das empresas, nem sequer dos serviços públicos,  para resistir a esta e às próximas crises (cíclicas). O simplex terá ido até onde se deveria ter chegado, atempadamente, por exemplo? A desorganização da procura nos sectores de atividade suportada no contacto (agora tornado perigoso) é a causa próxima da crise sanitário-económica instalada, mas à qual se poderá seguir uma gravíssima crise financeira. Em consequência, uma boa parte da “oferta (disponível)” ficou pendente.

Mas, se o universo empresarial mantiver a estrutura de custos, a ação conjugada das crises, sanitária, económica e financeira, deixará as organizações afetadas numa situação de puro consumo de recursos financeiros escassos[3].

A estratégia de combate (uma guerra clássica contra a guerrilha) só pode agravar os efeitos conjugados, até que o esgotamento dos recursos torne a crise económica mais gravosa do que a sanitária.

O trabalho e a estrutura organizacional ficarão, efetivamente, improdutivos por tempo indeterminado, mas revelar-se-ão sob a forma de fatores consumidores de encargos financeiros. Esta estrutura de gastos, em casos de falência, tenderá a ameaçar de morte todo o capital intelectual[4], o qual é intangível por definição (fórmula empresarial e organizacional do trabalho, espírito de equipa, notoriedade da marca e carteira de clientes, capacidade de inovação individual. Para refazer este capital intelectual seriam indispensáveis esforços que demoram um mínimo de dois anos a produzir o efeito pretendido. Tão ou mais indispensável à retoma da economia (capital e força de trabalho disponível), será, mesmo se ele se apresenta sob uma fórmula contra-intuitiva, este capital intelectual.

Um tratamento irresponsável pela classe empresarial e governamental deste fator redundará, inevitavelmente, numa crise social de proporções “bíblicas”, para não falar da (desprezível!?) crise permanente que, enfim, se instalará ao nível da saúde mental. Em consequência, o indicador que melhor poderá medir a performance da gestão sanitária será, muito provavelmente o do número de mortos; o potencial de retoma económica do(s) nosso(s) país(es), quando este puder ser avaliado, à posteriori, estimamos que seja o tratamento que vier a ser adotado para gerir aquele capital intelectual (estratégico). A maior ou menor gravidade da conjugação da crise (sanitária, económica, financeira e social), dependerá da abordagem a este capital, que poderá ser considerado, na prática, (oxalá nos enganássemos) como “desprezível”.

A premência da gestão do capital financeiro e da defesa dos salários/subsídios irá, porventura, gerar tensões sociais de difícil acomodação e não deixarão espaço nem visibilidade para se equacionar sequer a salvaguarda de um capital que é partilhável por trabalhadores e empregadores. Para continuar a ser partilhável, entretanto, é vital que sobreviva. E para ele poder sobreviver, deveria existir uma entidade que cuidasse, antes que ele próprio seja morto pelo vírus económico, da continuação da sua gestão, por sector/empresa, a distância[5]. Utopia? Talvez! Mas, em alternativa, o amanhã pode acordar para o choro e não para o canto!

Um outro risco imediato, associado ao anterior, encontra-se, evidentemente, do lado do previsível desânimo de parte significativa da classe empresarial. As lacunas ao nível da liderança da prevenção da gravidade da crise sistémica, susceptível de conjugar os esforços da governação, das organizações laborais e das estruturas empresariais, não facilitarão a posterior retoma. Coloca-se, logicamente, a questão de redefinir, desde já, novas fórmulas empresariais que respondam pela continuação da atividade relativa aos bens tangíveis, sem passar pela falência desta (por falta de pessoal em condições sanitárias adequadas) e/ou pela inflação de preços.  Mas, para se poder equacionar seriamente a questão da expectativa positiva face à crise (e começar a ver as oportunidades que encerra) impunha-se uma articulação da liderança (do país e das lideranças das empresas de serviços forçadas ao encerramento), assente na confiança e na participação dos trabalhadores (acionariato a partir dos créditos salariais e/ou apoio legislativo para a transformação das empresas em cooperativas, entre outras soluções). Se os empresários, por falha/opção de liderança, tiverem a perceção de que serão forçados a assumir, pessoalmente, o passivo das empresas, mesmo que seja no final da crise, a “solução” passará inevitavelmente pelas falências generalizadas e pelo consequente aumento do desemprego. A classe empresarial não parece inclinada a correr o risco da manutenção dos postos de trabalho, sem garantias sérias e atempadas. Pedir-lhe para aceitarem olear o carreto que faz correr mais célere o nó da forca só poderá sair de mentes adeptas do circo político. Não estamos a dizer que não haverá quem irá tirar partido das “soluções” burocrático-bancárias.

Aqui, como na demora no início do combate a cada doente, só redundará num acréscimo de custos estatais. Ou, então, estamos inteiramente equivocados e, porventura, não há atraso nenhum. A luz que se vai “anunciando” teria pressuposta a hipótese virtuosa de uma socialização da economia, com o inerente custo continuado do (sub)(des)emprego, até que os custos sociais do estado se tornem insuportáveis e recomecem os cortes, diretamente e/ou através da inflação dos preços das atividades e produtos que estiverem em condições de tirar partido da crise geral/sistémica. Nesse caso, o “bode expiatório” até já vai sendo subliminarmente associado às instituições europeias e à fuga à responsabilidade do patronato capitalista. Quem sobreviver, e no caso de manter alguma capacidade de mobilização da memória crítica, poderá contentar-se como esboçar de um “sorriso” meio amarelado, quando os novos cortes forem enfaticamente atribuídos a uma nova troika, e não a um qualquer malvado primeiro-ministro.

Formulação do problema empírico

Neste ponto, discutimos o que nesta crise parece estar a ser corretamente gerido e o que, através de uma perspetiva crítica, mereceria uma abordagem diferente. Parece-nos importante operar, para isso, a necessária distinção entre a gestão técnico-científica da crise, por contraponto à gestão da cultura organizacional do sistema de combate à pandemia.

Se nos é permitida uma breve nota de comparação, o novo coronavírus ataca as sociedades humanas com uma estratégia de guerrilha e de blitzkrieg, mas a resposta institucional, em lugar de adotar uma resposta de contraguerrilha, parece estar baseada na guerra de trincheiras (de há mais de 100 anos). A liderança da resposta a dar deve tirar partido de tudo o que está a revelar-se bem feito e corrigir em permanência a estratégia de cada unidade produtiva, mobilizando toda a criatividade disponível. O princípio de ação seria o de isolar toda a população vulnerável, formando todos os dirigentes em sistemas de organização de procedimentos de ação seguros. Mobilizar a mão de obra em recolhimento para o trabalho a distância. Esta seria a força de combate ao vírus na retaguarda. Encontrar meios de segurança clínica para os que estão capazes de lutar na linha da frente: manter o país a funcionar, atacando neles o vírus, com as armas disponíveis e eficazes, desde os primeiros sintomas. Voltaremos no final ao balanço do que deve ser melhorado.

Questão gestionária e económica: a inovação pela participação. Neste momento, nas empresas encerradas em resultado da crise pandémica (tal como poderiam ter de encerrar em resultado de uma nova crise financeira como a de 2007-2013), restam as pessoas com a sua (in)capacidade de inovação e de proposta de novas atividades. No imediato, a maneira como a crise foi atacada levou ao encerramento das empresas de serviços, mas, em breve, as industriais ou agroindustriais poderão vir a enfrentar dificuldades análogas. A sua incapacidade de reação, pelo lado da oferta e da procura, como agora está a ser gerida, forçá-las-á a uma necessidade de reinvenção, a partir do binómio “criatividade” dos colaboradores e da “interação a distância”. Muitas, sem tempo de reação, correrão sempre um sério risco de morte.

Deste ponto de vista da gestão, parece-nos, sinceramente, que a crise financeira anterior apenas foi paliada, no nosso país, pelo efeito conjugado da retoma mundial e do desvio das rotas turísticas. A crise sempre esteve latente, por efeito da má qualidade da gestão das relações laborais que dificultam uma gestão da economia nacional assente na confiança, como alertava Th. Philippon (Prof. da Stern School of Business da N. Y- University e especialista do B. M.), nas vésperas da anterior crise. Pensamos, assim, que a futura economia, quando se puder reerguer através da inovação “schumpeteriana”, irá aproximar-se do seu potencial digital (alguns autores falavam, há muito, de 70%).

Questão sanitária: uma gestão da crise pandémica que pode deixar a nu a crise económica. A resposta das autoridades de saúde à crise, sendo, organizacionalmente, burocrático-profissional, tenderá a tratar o atual coronavírus como “novo”, pelo que, em consequência, o respetivo diagnóstico deveria ser feito com recurso a meios complementares de diagnóstico potentes (teste laboratorial) e não com recurso ao diagnóstico médico direto como seria o caso de ele ser novo, sim, mas aparentado ao da malária e, por isso, amplamente conhecido. Ora se os sintomas vão sendo conhecidos, e se aparentam ser próximos ao que os médicos treinados para o reconhecimento das doenças tropicais saberiam descodificar, então o diagnóstico dos cidadãos com sintomas deveria poder ser apenas médico. Os meios laboratoriais deveriam ficar disponíveis para a investigação e para os casos especiais (as numerosas pessoas fragilizadas) e, nesse caso, com certeza, sujeitos à gestão das autoridades centrais que cuidariam dos aspetos preventivos e legais.

A continuar a gestão burocrático-profissional da crise, será porventura muito sério observar o comportamento do próprio sistema de saúde. O seu possível colapso, acrescentará mais exemplos ao da Itália e da Espanha. Pensamos, entretanto, que o nosso país poderia ser poupado, se soubermos abordar a crise pela via sistémica aberta à complexidade do problema. Se olharmos para o centro e o norte da europa, porque são países cuja cultura organizacional assenta na confiança, irá, porventura, mostrar outras vias, podendo haver a prazo uma solução se, nesse momento, os soubermos imitar. A cultura portuguesa não é sensível à necessidade da colaboração nas organizações. Pratica-se uma estratégia de confronto e de desconfiança, pelo que até se chegar a uma solução radical/nova que erradique a crise, a situação económica continuará na senda do caos, rumo à crise económica severa. Seria curioso saber-se (infelizmente, só à posteriori alguém descobrirá) se, tal como em 2007-2013 (quando o ataque ao sistema financeiro foi global), os países germânico-nórdicos apenas “se constiparam” ao passo que os latinos contraíram uma “pneumonia”. Nessa altura, por ação de um melhor sistema laboral e gestionário das atividades económicas e, agora, pela mesma razão e também porque a gestão do sistema de saúde, gastando menos, terá feito melhor.

O contexto económico, porém, melhorará um dia (com o retorno das atividades baseadas no contacto), quando e na medida em que for salvaguardada, até lá, a atividade indispensável à produção e circulação de bens e à agilização de empresas e de serviços preparados para uma eficácia acrescida no trabalho a distância. Pensamos, porém, que em cada economia isso acontecerá, não após ocorrer o fim da disseminação do novo coronavírus, mas se desde já ele for atacado através de um método de abordagem ao diagnóstico e à terapêutica que mude de paradigma: tomar a doença como aproximada a algo conhecido. Também a gripe e a malária são contagiosas, e matam mais as pessoas vulneráveis, sem que a atividade económica paralise de forma generalizada. Isole-se, pois, a população de risco, tal como tardiamente se começou a fazer apesar do que se conhecia da história do vírus na China.

Mas tomem-se as precauções adequadas e dê-se “liberdade” de trabalho às pessoas em atividade. E porque este coronavírus é mais contagioso e atraca mais o sistema respiratório, entre outros, há que responder com uma reação atempada do corpo médico se preparado para as circunstâncias. Continuando a situação atual, as pessoas, por necessidade, por “hábitos diversos” ou por negligências várias, continuarão a assoberbar os serviços de saúde, contribuindo, involuntariamente, para propagar o vírus e tornarão a retoma das restantes atividades (de contacto) mais difícil. No final a ação conjugada das diversas crises já identificadas, a que se deverão somar as resultantes do isolamento (forçado) prolongado, matarão muito mais do a pandemia em curso.

Hipótese

A justificação da hipótese que propomos centra-se na questão gestionária, subjacente a qualquer solução técnico-científica para uma crise pandémica com as características desta causada pela Covid-19, através de uma abordagem sistémica flexível.

Atentemos em algo tão simples, aparentemente, diremos nós, quanto o de lançar um breve olhar para o que diz um dos três peritos em virologia do governo belga (Nicolas Dauby). Este Prof. de medicina da ULB, já admitia, a 19/3, pensar que o diagnóstico da Covid-19 bem como a prescrição da medicação, em linha com o Laboratório de Virologia de Marselha, e em situações normais, deveria ser apenas da responsabilidade dos médicos. Esta hipótese de trabalho pressupõe que a doença tivesse uma abordagem próxima da de outras afins, como o caso das gripes severas ou da malária, e permitiria ganhar um tempo absolutamente indispensável no combate precoce.

Como proceder na prática? Aos primeiros sintomas, uma simples linha telefónica de uma instituição pública (ou privada, arriscamos dizê-lo) permitiria o acesso imediato a um médico que aconselharia os procedimentos adequados ao caso: isolar os doentes, mantê-los em ambulatório se estiverem saudáveis, ou indicar-lhes o meio hospitalar nos casos de doentes de risco, mas, sem perda de tempo, dar a todos a prescrição por via eletrónica para se poder iniciar a toma de medicamentos. Porquê? Se o vírus é novo, o organismo humano não reage imediatamente à “invasão” e deixa-o instalar-se no refúgio preferido do “hospedeiro” – os pulmões. Multiplica-se repentina e indefinidamente até se instalar uma pneumonia “viral”. O tempo de resposta aos primeiros sintomas é, desta feita, crucial para a economia de meios e vital para a pessoa. Os meios mais pesados seriam disponibilizados para as pessoas de risco, sem que os outros viessem, desnecessariamente, sobrecarregar o sistema.

Até se chegar a um reconhecimento da necessidade de disseminação deste “sistema de reação rápida”, porém, a população ativa e saudável, quando sentir os primeiros sintomas, continuará a acorrer ao sistema hospitalar para ser tratada à maneira dos que já se encontram fragilizados. O esgotamento, a prazo, dos meios disponíveis não poderá honestamente ser descartado. Infelizmente, quando e se tal se constatar, não quereríamos sentir o peso na consciência de não ter alertado para as nossas hipóteses.

A classe dos profissionais de saúde, nomeadamente a médica, já estava a debater-se há muito com a falta de meios, para fazer face à situação sanitária anterior à atual crise. Uma vez entrados na fase pandémica, sem que a questão organizacional tenha sido equacionada, a classe médica (e não só, evidentemente) corre riscos de contágio ou de exaustão psicológica, dificultando, por sua vez, e de que maneira, a chegada da hora da retoma. Mas, também a colaboração dos médicos idosos fica difícil de mobilizar em situação de risco de contacto e de proximidade. Nesta conjuntura, logicamente, toda a atividade médica poderia (deveria, mesmo) ser mobilizada para prevenir, a distância, a necessidade de deslocação, não contribuindo pela ação da gestão dos “protocolos” (in)existentes para sobrecarregar as unidades que se encontram a prestar cuidados às pessoas já afetadas (doenças tradicionais[6], com ou sem situação associada a co-morbilidades, e patologias de novo tipo, estas tornadas prioritárias na presente situação). Estas falhas ao nível da organização do trabalho de assistência médica orientada para a prevenção da deslocação (perigosa) às unidades de saúde, seriam de evitar, para além de poderem dispor, em segurança, dos profissionais idosos, mas conhecedores dos processos de diagnóstico através da sintomatologia. Veremos como se comporta o sistema, sem por agora carregar mais na tinta preta!

A cultura portuguesa deve ser convocada, igualmente, para esta reflexão. Quando os portugueses percebem dificuldades de acesso aos cuidados de saúde, e em situação normal, cerca de 70% tendem a recorrer às unidades hospitalares, contra uma média de 30% nos restantes países europeus. O exemplo da “gripe A” é paradigmático: durante o surto, 1 milhão de portugueses (em 10 milhões) acorreu aos hospitais, contra 200.000 no Reino Unido (em 65 milhões), com desperdício de recursos e agravamento de infeções.

Com um contexto cultural deste tipo não se correrá o risco de seguir o exemplo da Itália do Norte, o qual está bem patente e que já teve réplicas na França e na Espanha. Se assim continuar, e se Portugal seguir por inércia este modelo organizacional, as pessoas que o fizerem correm o mesmo risco dos nossos vizinhos, e quando houver sobrevivência seguir-se-ão as sequelas, ao fim de dois meses de internamento, em média, isto se a qualidade da assistência passar por uma monitorização diária, mesmo durante algum tempo depois da cura declarada. Haverá meios no SNS para tudo? Parece ser muito duvidoso. Cenário plausível ou exercício catastrofista? Não somos adivinhos, mas temos deveres de crítica.

Bases teóricas da opção pela ideia de consulta de Covid-19 e de prescrição a distância

Iniciemos a nossa reflexão pela cultura (Lopes, 2010) e pela organização de cuidados de saúde em Portugal, muito diferente das abordagens culturais anglo-saxónica e germânica. A cultura médica, entre nós, está estruturada com base nas especialidades (70%) e na organização hospitalar (e, concomitante, centralização de meios), precisamente o inverso do que se passa nos países germânico-nórdicos. Para se ter uma ideia das dificuldades do funcionamento do nosso sistema de saúde, nas atuais circunstâncias de evitação dos riscos associados ao contacto, sublinhe-se o facto de por cada trinta cesarianas em Portugal se fazer apenas uma na Holanda.

A reação da classe médica, em Portugal, tenderá a pautar-se por um comportamento de refúgio na ideia de protocolo/segurança dos tratamentos, mesmo face ao desconhecido. Ora, neste caso, não temos, nem protocolo (guidelines), nem moléculas indiscutíveis. A cultura de especialidade não ajuda, antes conduz a uma certa passividade. Mas, mesmo em Portugal, não nos parece que faltem profissionais detentores de uma visão mais sistémica e eles recorrerão, certamente, ao pensamento com base na ideia de analogia para procurar soluções a partir do conhecido. A questão que se coloca é a de saber se terão meios de propor, atempadamente, uma abordagem alternativa. Note-se que um pouco por todo o mundo, os decisores têm por hábito de não dar as boas vindas aos portadores de opiniões dissidentes, relativamente ao grupo maioritário (Janis, 1989). Foi, efetivamente, Irving Janis que propôs o termo “groupthink” para caracterizar os riscos do unanimismo. Por quanto, ainda, continuaremos a ignorar os erros gravíssimos cometidos em nome da submissão generalizada à opinião maioritária? Mas, de facto, na investigação científica a analogia é a base de partida. Neste caso concreto, de acordo com dois dos melhores institutos de virologia do mundo (Lovaina e Marselha), a analogia mais fiável na abordagem ao novo coronavírus, e que está anunciada desde há cerca de dois meses, é a de partir da que melhor resulta para a malária[7]. Felizmente para a Europa do Norte, esta parece estar a impor-se como evidência aos seus sistemas de saúde. E, neste caso, existe uma solução proposta pelo Prof. D. Raoult de Marselha. Procurar a solução imediata, numa molécula como a Cloroquina diretamente ou um seu derivado, a Hidroxicloroquina (receitadas para a malária), que ele conjugou, por sua vez, com um antibiótico, a Azitromicina ou Zitromax (pneumonia bacteriológica). Prescritas, na dosagem apropriada, a doença terrível da Covid-19 seria estancada, de uma forma segura e fiável. Bastou ao autor citado aplicar os princípios da abordagem sistémico-analógica. Mesmo sem entrar em pormenores técnicos, garante o citado líder do instituto de virologia de Marselha[8], que se a toma se fizer no início dos sintomas, a eficácia pode ser de 100%[9], em seis dias. Em fases mais adiantadas da doença, mesmo assim, a fórmula proposta seria 7,5 vezes mais eficaz do que as restantes combinações que têm sido estudadas. O que trava o mundo na adesão ao seu estudo, quando, diz, a China usou a Cloroquina[10] em larguíssima escala?

Poderemos, em breve, constatar que o mundo tem perdido um tempo precioso, por razões, talvez, associadas a uma gestão influenciada pela cultura burocrático-profissional, indutora de passividade crítica face à gestão da área da saúde. Não se estaria, sequer, a verificar uma passagem à cultura de ajustamento mútuo, própria da investigação e da medicina em situações de emergência (H. Mintzberg). Porventura, os laboratórios de análises, e farmacêuticos em geral, sairão da crise com muitos lucros, graças à gestão da pandemia. Não queremos pensar em propósitos, mas o certo é que alguém irá beneficiar com a passividade intelectual que se constata.

Pensamos que se deve colocar uma segunda alternativa, para além da cultura médica: a hipótese da cultura portuguesa de gestão. As estruturas de saúde, centralizadas e suportadas na especialização, tenderão a responder com atraso, relativamente à rapidez com que o novo coronavírus atinge os órgãos vitais, a começar pelos pulmões. Tratá-lo, depois de instalado sob a forma de pneumonia viral, consome muito tempo e recursos, e em muitos casos conduz à morte, à infeção do pessoal de saúde, e à desorganização da vida normal e do moral das sociedades. Se esta hipótese organizacional for tida em consideração, a multiplicação e flexibilização de meios deveria poder privilegiar o ataque à doença desde os primeiros sintomas, e sem recurso às unidades de saúde pesadas. Se estas já eram deficitárias para as situações anteriores à crise atual, as quais continuam a afetar a população, podemos assistir a algo indesejável.

Em síntese

Em nome do futuro das nossas crianças e jovens, quanto desejaríamos não ter razão e que pudéssemos sair daqui, cantando (rindo) que tudo não terá passado de uma “crisezinha”!

Como nos fomos convencendo do contrário, não podemos calar-nos diante daquilo que todos sentimos e vemos, mas que deveríamos, igualmente, poder entender, a partir do momento em que se sabia que o isolamento social generalizado iria gerar a paralisia progressiva de um país como o nosso:

– O efeito conjugado das cinco crises acima evocadas (sanitária, económica, financeira, social e mental) será demolidor, e as pessoas são convocadas para posturas de acriticidade;

– A “gestão de crise/catástrofe” que a liderança portuguesa[11] (uma espécie de fórmula bizarra assimilável a dois primeiros ministros em rivalidade!) tem vindo a impor, corre o risco de apenas dar espaço a apoiantes alinhados e produtores de (pseudo)soluções (uma falha traduz uma boa solução em péssima), na esperança de que se não chegará à situação ítalo-espanhola, para celebrar;

– Faz-se muita coisa certa (isso seria inevitável num país de gente muito qualificada), mas, o problema é que em situações de risco extremo, como num incêndio de grandes proporções, uma só falha, tem por sistema, condições para provocar a catástrofe[12] – a famosa metáfora do elo fraco que permite a fuga ao cão;

– Na gestão das crises, a eficiência da formação contínua em exercício e da capacidade de antecipação de cada ator do terreno organizacional (qualidade total), bem como a correta maneira de aprender a aprender, são condição sine qua non, sendo necessário preparar todas e cada uma das equipas, com o tempo disponível que se tiver pela frente;

– A montagem de dispositivos de tipo Think Tank, para análise crítica do que funciona e das respetivas boas práticas, fora ou dentro de portas, para não se correr o risco de repetir os erros que outros, porventura, já terão corrigido[13];

– Enfim, todos os países serão atingidos, veremos depois como uns se saem melhor do que os outros, e porquê, à medida que se for percebendo as nuances dos diferentes dispositivos de apoio à governação e à formulação de propostas para decisão?

Quando, face a um cenário de previsível catástrofe, se errou no ponto de partida, tudo a seguir pode ser perfeito que o resultado será a catástrofe. No final, até uma causa fortuita poderá ser evocada para “vender” à opinião publicada, para repercussão. Temos ainda bem presentes as explicações fornecidas para o desastre de Pedrógão[14] (Grande?).

Antes de concluirmos, gostaríamos de deixar clara a nossa síntese, porque a nossa mensagem não é facilmente apreensível: com maior ou menor demora, o tratamento irá fazendo o seu caminho (com base nas duas moléculas de que se falou), à medida em que a evidência se for impondo, tal como tudo será diferente dentro de um ano a dois, com uma vacina eficaz. O mal organizacional do país, esse continuará a deixar-nos a alternativa de escolhermos dirigentes que nos vendam a ideia de eles são os melhores a “bater o pé à EU”, ou seja, a pedir aos países que se organizam de forma diferente da nossa, que partilhem connosco a conta final. Até à próxima crise!

Conclusão

Concluímos, com base na abordagem organizacional à questão da pandemia definida, habitualmente, como sendo apenas um problema técnico-burocrático, em lugar de ser científico-técnico, anormalmente exigente quanto às condições de criatividade, para depois se tomarem as medidas decisórias pelas instâncias competentes. Colocar a questão de que o governo sabe bem quem são os técnicos a encarregar da condição de propositura, devendo os restantes especialistas limitar-se a ouvir, para se não correr o risco de ferir a unanimidade no seio da corrente otimista, será aceitável?

Deixe-se espaço aos que defendem a necessidade de compatibilizar a economia com a saúde, pois a dissociação nunca funcionou no passado (nem em situações de peste a quarentena se revelou, inequivocamente, eficaz[15]), e também agora não funcionará, sem uma monitorização constante e adaptativa à evolução das condições e das necessidades da economia real. O remédio será muito mais gravoso do que a cura, como se verá, a destempo, para desgraça de todos nós, mesmo dos atuais decisores.

Pensamos que a passividade académica poderá, em breve, revelar-se cruel. Devem continuar as medidas de proteção/isolamento das populações de risco, apostando tudo nos testes laboratoriais aplicados, sistematicamente, aos ativos e, em primeiro lugar, ao pessoal de saúde e de cuidados? Parece óbvio se a medida fosse plausível! Isolem-se os idosos, grita-se! Mas uma parte significativa desses já antes estava isolada! É por isso que está a salvo? Os ativos que circulam para deles cuidar não os iriam infetar se houvesse o mínimo descuido?

A nossa hipótese é ridiculamente simples. Conjugando os dados expostos, note-se que existem muitos médicos (em geral idosos) que trataram a malária em África, e a ideia é que este corpo profissional poderia (deveria) saltar para a linha da frente, e de imediato. Mas em lugar de os expor, deveriam obrigatoriamente ficar protegidos para, on-line, atenderem doentes com a sintomatologia que já é, inclusive, do domínio da opinião pública. Os doentes que até agora, se estão a deslocar para fazer testes, desde o momento que experimentassem os sintomas indiciadores da Covid-19, seriam atendidos por eles. Poderiam, ainda, ser mobilizados para dar aconselhamento e formação aos colegas mais jovens. Esta poderia ser uma linha telefónica especial (alternativa à linha “saúde 24”) que ficava dedicada a pessoal ativo, habitualmente mais saudável, e que está a fazer funcionar a economia, em situação de contacto inevitável, cuidando-se de que nenhuma chamada se perderia. Como se consegue? Há meios organizacionais baratos e fiáveis, por nós próprios testados, desde há mutos anos num serviço público nacional. Um comité de especialistas em descodificação dos sintomas, os melhores especialistas em medicina tropical, mesmo se reformados, apuraria, em permanência, um guião de atuação a distância (redigindo as indispensáveis guidelines[16]).

Entendemos que todo o cuidado é pouco face a situações de pânico. Em face de um aumento repentino da doença, sem uma linha dedicada e assumida em nome de profissionais experimentados, o açambarcamento de Cloroquina seria de temer. Daí que, do ponto de vista da gestão de crises, seja fundamental que as comunicações, a começar pelas chamadas telefónicas se não percam. Esta linha teria, pois, esta função securizante, impedindo que o medicamento falte, por exemplo, para doentes com patologias autoimunes, entre outras, prevenindo ainda a automedicação. Por felicidade, entretanto, a farmacêutica Novartis anunciou, cerca de 20 de março, que possui uma capacidade instalada capaz de fabricar Hidroxicloraquina para milhões de doentes.

Um dispositivo de ação, do tipo daquele que aqui é proposto, seria muito barato ao país, libertaria recursos médicos para a situação corrente, libertaria as pessoas saudáveis do medo/pânico em que se encontram e, sobretudo, contribuiria para que a economia pudesse funcionar, com a intensidade possível. Pergunta-se, mas como ensaiar esse dispositivo? Não temos resposta simples. Depois da situação criada pelas diretivas que estabelecem um modelo que passa pela segurança (!) do teste antes de prescrever, talvez pudesse ser ensaiado no interior de um município sujeito a cerca sanitária. Mas também, se não se souber atuar em situação de “cerca sanitária”, à maneira das descrições de Oran sob a peste (de A. Camus), a vivência da situação equivalerá ao sentimento de abandono.

A questão central é o tempo de reação ao ataque de um vírus que é “mais rápido do que a sua sombra”. Assim, desde a manifestação dos primeiros sintomas do doente, deveria poder avançar-se com a prescrição e a toma da medicação, sem recurso hospitalar, mas com o seguimento de companheiro ou cônjuge. Este é outro aspeto decisivo.  Uma pessoa de família devia ficar para acompanhamento em ambulatório (com remuneração), até porque ela poderia estar já infetada, mesmo se sem sintomas.

Para um controlo eficaz das medidas, um grupo de investigação presidiria ao estudo destes diagnósticos, a distância, e confrontá-los-ia com testes laboratoriais, para ver se eles estavam ou não a apresentar uma correlação elevada, e a partir de técnicas de amostragem[17] (opção pela transparência e pelo baixo custo dos processos).

Se este método funcionar (mesmo se ele, por razões de extrema dificuldade, apenas, pudesse ser testado numa única unidade privada, por exemplo), Portugal ficaria dotado de um instrumento a disponibilizar para os nossos países irmãos do hemisfério sul, entre outros, que não terão, previsivelmente, meios complementares de diagnóstico (laboratoriais) suficientes para evitar uma catástrofe sem nome. Pensamos que é um dever moral da investigação em gestão não se refugiar na ideia de que a solução só pode ser pensada pelas autoridades sanitárias e pela indústria farmacêutica.

Pessoalmente, gostaríamos de poder dar aos países mais pobres uma esperança, desde já, e não ajudar a minorar a dor quando o pico da infeção chegar ao hemisfério sul (nos próximos três meses, para eles o inverno). Quanto melhor e com menos meios for possível trabalhar, mais recursos poderão ser canalizados para as necessidades dos que menos têm.

Esta hipótese académica poderia, a ser seguida, libertar os recursos (raros) para os doentes em situação de necessidade de cuidados mais pesados, que nos devíamos recusar a perder, e contribuiria para fazer funcionar, quase em pleno, a economia baseada na necessidade de contacto, contando com a colaboração de toda a mão-de-obra saudável (uma reorganização das empresas e dos serviços mostraria que ela é mais do que suficiente para que as atividades não parem).

Em termos de balanço, diríamos que, para além de aceitarmos que a definição da estratégia de isolamento ser correta, se estará a pagar um altíssimo preço pela ausência de um sistema de educação (dual), duplicado por um outro de formação em exercício, dos profissionais que trabalham com as populações fragilizadas, nomeadamente pessoal auxiliar e de emprego doméstico. Os múltiplos apelos na comunicação social para procedimentos de higiene e proteção não estão a resultar em múltiplos casos, com consequências ao nível da desmultiplicação (evitável) de recursos. E são precisos poucos casos de incumprimento para provocar estragos colossais.

A formação deste exército de contraguerrilha para atuar nas retaguardas (saber observar e desenvolver capacidade de antecipação em face de todos os circuitos invisíveis de circulação do coronavírus para depois saber e poder neutralizá-los) nem estava preparado, nem sequer, agora, irá ficar, por certo. Primeiro, o problema necessita de ser equacionado e, em seguida, conceber, montar e implementar um dispositivo de formação em exercício, baseado num qualquer modelo participativo, adaptado à cultura nacional, à imagem do que os japoneses ou os germânico-nórdicos sabem fazer muito bem (Lopes, 2016).

O mesmo princípio da participação/formação, em exercício, deverá aplicar-se às atividades produtivas. Custa, efetivamente, ver tanto esforço de certos países a exigirem um acréscimo significativo de solidariedade dos países germânico-nórdicos e de haver tão pouca preocupação em imitar os seus sistemas de ação colaborativos, quer nas empresas ou serviços, quer nos sistemas de saúde[18]. Como não se reconhecer, oficialmente, que sem a União Europeia, e entregues a nós próprios, a vida dos portugueses seria, já, neste momento, caótica? Uma Europa mais solidária não faria mal a ninguém, certamente, mas ela será uma realidade quando se puder trabalhar entre nós, à maneira dos países a quem muitos, agora parem confortavelmente a exigir. Mas, mantenhamos a esperança de que nunca seja tarde para se aceitar o ónus de aprender a aprender.

Bibliografia

Douglas N. Hales, Satya S. Chakravorty. (2016). “Creating high reliability organizations using mindfulness.” Journal of Business Research.

Janis, I. L. (1989). Crucial decisions: Leadership in policymaking and crisis management. New York: Free Press.

Lopes, A. (2010). A cultura organizacional em Portugal: de dimensão oculta a principal activo intangível. (Viseu, UCP) – Gestão e Desenvolvimento, Nº 17-18 p. 3-26. ISSN 0872-556X.

Lopes, A. (2016).  Cultura de Qualidade e Eficácia Durável: O Primado da Gestão de Pessoas; (UCP, Viseu) – Gestão e Desenvolvimento, 24, 3-45.

Mintzberg, H. (2006). MBA’s? Não, Obrigado! Uma visão crítica sobre o desenvolvimento de gerentes; Lisboa: Editora Bookman.

Philippon, Th. (2007). Le Capitalisme d’héritiers. La crise française du travail; Paris: Seuil.

Popper, K. R. (2013). A lógica da pesquisa científica; 2ª. Ed. São Paulo: Cultrix.

Vogus, Rothman, Sutcliffe, Weick, 2014. The affective foundations of high-reliability organizing

Weick, K.E., Sutcliffe, K.M. (2007). Managing the Unexpected: Assuring High Performance in an Age of Complexity; JosseyBass, San Francisco, CA.

Weick K.E., Sutcliffe K.M. (2006). Mindfulness and the quality of organizational attention. Organization Science, 17(4):514– 21 524.

Weick, K.E., Sutcliffe, K.M., Obstfeld, D. (1999). Organizing for high reliability. Organizational Behavior, 21, 81-123.

Anexo

Dados fiáveis indicavam, acessíveis a leigos como são os autores deste texto, e desde há há cerca de 20 dias ou mesmo um mês, a seguinte caracterização da situação:

1 – 30% de uma população (predominantemente, crianças e jovens) não sentirá, sequer sintomas da Covid-19, no contacto com o coronavirus – passando à situação de imunidade;

2 – 55%, (predominantemente, adultos em condições de atividade económica) sentirá indisposições diversas, do género da malária ou da gripe, sem necessitarem de cuidados muito diferenciados, passando à situação de imunidade depois de 6 a 10 dias;

3 – 10%, (predominantemente, idosos) sentirá sintomas graves, necessitará de cuidados intensivos, com ventilação assistida, e 15% deles morrerão, passando 85% à situação de imunidade após cerca de um mês;

4 – 5%, (idosos) sentirá uma sintomatologia muito grave, passará muito tempo em cuidados intensivos, salvando-se 50% dessa população devidamente assistida.

O que salta à vista de um pensador/equipa de apoio à gestão estratégica, apetrechada com intrumentos de pensamento divergente, seria a hipótese de que algo tem que explicar com lógica esta distribuição. A resposta que surgiu em diversos quadrantes foi a de que poderia ser a vacinação de tipo BCG, que iria perdendo capacidade de estimulação imunitária, à medida que o tempo de vacinação ia ficando para trás. Ora, as autoridades públicas de muitos países desenvolvidos, em face destes dados, optaram por uma política dita de isolamento social e de uma terapêutica de base experimental, provocando uma paragem abrupta de numerosos equipamentos produtivos.

Concentremo-nos em Portugal e voltemos a questionar-nos acerca das medidas tomadas, quando houve muito tempo para preparar a reação. Que sentido faz o facto de forçar as crianças e jovens a confinamento, nas escolas, quando muitos professores pertencem à categoria 2?

Imaginemos uma história relativa a estes dias (de pan-demónio!), segundo o método contra-factual:

A população das categorias 1 e 2, a que pertencem a escolar e a produtiva, mantinha-se em atividade, sendo no imediato criadas as condições de isolamento social obrigatório as das classes 3 e 4. Como se faria de maneira eficaz? Com incentivos monetários e verificação amostral dos incumprimentos para garantir a proteção social destas últimas categorias (90% da fatura da eletricidade e da àgua, subsídio a famílias com três ou mais filhos para que um dos pais ficasse em casa sem apoio dos avós, outras?).

Passando à história real dos nossos dias.

Queremos pensar que este tipo de solução ficaria baratíssimo, em face do preço que se pagará com o shatdown; mas longe esteja do pensamento dos nossos leitores qualquer tipo de crítica aos nossos preparadíssimos governantes!? O tempo da crítica pública já passou há vários anos, como sabemos todos, e como todos iremos continuar a saber.

[1] Como é concebível, por exemplo, que um país que chegou a exportar sabão para o mundo deixe entrar este produto estratégico (nunca tanto como agora!) em rutura nas superfícies comerciais, fazendo disparar os preços do álcool? Sem dever multiplicar exemplos até à exaustão, não teria interesse neste momento saber fazer máscaras (propostas por uma universidade) no país, em lugar de ter de as mandar fazer na China!

[2] Nesta obra, se tivesse sido lida, antecipava-se já quais as economias e os países que iriam sair-se bem da crise e os que iriam adoecer gravemente, e porquê. Neste momento, impõe-se descobrir as situações organizacionais que funcionam de maneira adequada à situação de perigo associado às atividades de contacto. O dever da investigação em gestão é, como nas restantes ciências, o de encontrar a experiência improvável, o “corvo branco” de Popper (2013). Mas se os cientistas sabem que a Cloroquina é eficaz e que há pelo menos um cientista no mundo que o provou, como se aceitou a paralisia? Que essa paralisia nos tenha contagiado como país, deixa-me perplexo, a mim que sou um popperiano inveterado e que já passou a idade em que poderia ter medo de o afirmar.

[3] Dizem-nos os economistas que neste momento só vale a pena pensar em dois cenários extremos: o da retoma no verão (recessão profunda e resposta rápida da economia, ainda não em situação de completo caos), ou o da retoma apenas quando vier a aguardada vacina, e nesse caso a amplitude da crise nem merece qualquer tentativa de quantificação, por enquanto. Na hipótese que aqui desenvolvemos, a mediação da solução passaria pelo capital intelectual. É este que poderá, pela criatividade, em todos os domínios da atividade, ajudar à não desconexão completa entre oferta e procura. Esta nossa visão do problema leva em linha de conta o facto de o vírus não poder ser vencido com o calor do verão no hemisfério norte porque ele migra para o sul, dada a sua capacidade de contágio exponencial, e poderá depois retornar.

[4] Para um aprofundamento do tema, consulte-se o site da ICAA (Associação para a Gestão do Capital Intelectual). A ICAA é uma associação sem fins lucrativos, de âmbito internacional, criada em Santarém – Portugal, em abril de 2010.

[5] Será que, por exemplo, não deveria já estar a funcionar uma task-force no IAPMEI, de estudo, de seguimento e de ação para a gestão do Capital Intelectual das PME’s?

[6] Só nos faltava que depois de se ter diabolizado o sector de saúde privado, agora termos chegado á hipótese de se lhe entregar as situações de saúde tradicionais, com medo do colapso do SNS. E só estamos à distância de 15 dias da linha de partida!

[7] Esta é a prova de que a própria designação de “novo” coronavírus pode ser questionável. Não tem sido dada qualquer relevância pública à denúncia feita pelo Prof. Johan Neyts, do Instituto de Virologia da Universidade Católica de Lovaina. Diz o reconhecido especialista que já em 2003, o seu instituto tinha em fase avançada uma vacina contra a estirpe dos coronavírus. Com esta vacina, a opinião pública nunca teria sequer ouvido falar de que uma nova estirpe de coronavírus teria infetado gravemente alguém. O que faltou, então? Faltou que os responsáveis (governos, indústria farmacêutica, universidades) pensassem que a crise do coronavírus desse ano, o SARS (síndrome respiratório agudo severo) de 2003, poderia um dia chegar aos países ricos, pelo que faltou um financiamento que hoje, à distância de 17 anos sabemos como era ridiculamente baixo – trezentos milhões de euros. Os biliões foram canalizados para uma vacina contra o HIV, provocando a carência de milhões para os coronavírus. Quem fez essas opções continua ainda hoje à frente das instituições de pesquisa, diz o Prof. de Marselha. Cada cidadão que ouve, agora, os responsáveis políticos dizer que seguem os conselhos dos técnicos, pense como se arranjarão sempre técnicos que dizem o que eles quererão ouvir. Passámos muitas centenas de horas a questionar a globalização, sem que nenhum especialista próximo do governo português percebesse que a globalização da circulação de novos coronavírus poderia estar iminente, como alertava, em 2018, o Prof. Didier Raoult.

Há, entretanto, crises que consolidam as redes e o espírito de solidariedade. Esperemos que haja lições perenes a retirar desta crise e que se não perca o sentido universalista do ser humano, na senda de uma economia mais solidária, desde que assente em relações laborais colaborativas. Não se poderá vislumbrar a natureza das relações internacionais de amanhã. Uma coisa é certa, não foram os sistemas de armas que defenderam os países ricos das pandemias típicas do hemisfério sul. A conclusão que podemos retirar é que a natureza nos deu tempo para nos prepararmos. Não fará mal reconhecer que a linha da frente de defesa, contra as diversas estirpes de coronavírus, terá ficado por demasiado tempo confinada às zonas pobres da nossa Terra comum.

[8] Porque é que começámos, desde janeiro, a seguir o que pensava Didier Raoult? Porque ele tinha desenvolvido uma instituição destinada a procurar o “corvo branco” de Popper (2013). Tendo, ao longo de 30 anos, seguido cerca de 3.000 vírus, na natureza e no homem, cedo percebeu a natureza, o comportamento, as analogias a mobilizar, as experiências da China e deduziu a terapêutica adequada. Às autoridades de saúde, a sua mensagem era simples: a investigação médico-farmacêutica faça o seu papel, mas ataquem com a terapêutica disponível. De contrário perderão o pé à situação sanitária.

[9] O Prof. de Marselha divulgou há muito a fórmula terapêutica que usa, admitindo que pode haver variantes consoante o estado do paciente: “comigo ninguém precisa esperar que a situação crítica se instale no seu aparelho respiratório; é para isso que sou médico”.

[10] O Ministério da Saúde francês anunciou já, oficialmente, a 23/3, a autorização da prescrição da Cloroquina, embora, para já, só para doentes que podem ser considerados graves. Não nos compete, evidentemente, questionar as medidas governamentais acerca do programa de tratamentos. Algo faz espécie, porém. Sabendo-se como a industria farmacêutica é sensível ao lucro, será de admitir que, quando a decisão for tomada para recomendar o tratamento, e consequentemente milhares e milhares de pessoas estiverem infetados, seja depois extremamente difícil obter um medicamento antes baratíssimo? Uma segunda questão parece igualmente intrigante. Porque é que só dois meses depois de a Itália ter mergulhado no caos sanitário, começam os estudos europeus à escala de grandes amostras (resultados em seis longas semanas!), se, a meio de fevereiro, já existiam os estudos a pequenas amostras pareciam conclusivos? Só há “fé” nos ensaios a partir de grandes amostras? Não haverá nenhuma autoridade em estatística que defenda a validade de pequenas amostras rigorosamente controladas? Em plena pandemia, este modelo de decisões equivale a pensar que, contra um inimigo que utiliza a guerrilha, apenas deverá poder responder após a reunião de um grande exército? Perguntar não ofende!

Entretanto a infeção progride, mais gente é infetada e mais idosos ficam contaminados pelos ativos com quem contactam. Ora, se a Cloroquina é eficaz, ela tem, igualmente, mais contraindicações para a população idosa. Voltamos assim ao problema organizacional desta abordagem ao problema da gestão da pandemia. Quem se não cuidou, pode ser que encontre financiamento em quantidade junto dos países que têm por hábito preparar-se.

[11] Este dia 27 de março de 2020, em que escrevemos a última nota do presente texto e lhe acrescentamos um anexo “histórico”. A data pareceu-nos especialmente propícia à (re)criação de histórias para crianças. Não podendo contar-lhes uma, de maneira presencial (o convívio está-nos vedado, dada a nossa idade), resta a escrita, para que elas possam, mais tarde, entender as palavras irritadas dos nossos dirigentes políticos, hoje dirigidas em direção de outros dirigentes da EU, e também em que o Papa Francisco emitiu de Roma uma mensagem histórica de (re)união e de solidariedade de cariz profundamente universalista.

[12] Quem se não recorda da nave Challenger, que descolou, em 1986 de Cabo Canaveral, Flórida, para (…) explodir 73ss depois? Em milhares de pormenores controlados até ao momento do lançamento, apenas um não foi cuidado: o da temperatura anormalmente baixa, prevista para esse dia, e que dificultava a estanquidade dos tanques de combustível.

[13] Como é que se continua a chamar aos palcos televisivos quem diz, por exemplo, que os chineses estão a controlar a Covid-19, e a recolocar a economia em funcionamento, porque são governados por uma ditadura. Aprenda-se a aprender! Não se refugiem na ignorância do que é factual, em face do que é opinião não informada. Ou será que, admitir que se pode ter errado no designado ocidente relativamente à estratégia de combate à Covid-19, colocaria muita coisa em causa? Não faltará quem diga que a economia não pode ficar à frente da saúde. Pergunta-se, se cada um pode ficar em casa, sem que a economia funcione. Com o arrastar da situação sanitária, fruto da estratégia sem alternativa, que foi implementada, cada vez mais gente que poderia estar a produzir terá que ser mobilizada para mitigar as disfunções do sistema, até muitos entrarem inutilmente em exaustão. Podemos estar a dar passos para uma situação em que a única coisa que teremos aprendido a fazer bem e com poucos custos (?), será a cremação industrial dos mortos.

[14] Esperamos, sinceramente, que os nossos netos, num futuro em que, talvez, nós já não participemos, eles sejam poupados a explicações infanto-imbecis, como a da culpa ser da tempestade seca. Também por isso anexamos, a este texto pleno de amargura, uma história dedicada/destinada a vacinar as crianças portuguesas contra tal explicação de natureza viral e insidiosa.

[15] O caso dos lares é paradigmático. Os idosos estão recolhidos e irão continuar a ser contagiados pelos trabalhadores que os assistem e que têm que sair. A capacidade de gestão de crise não se improvisa e neste tempo de descontrolo, não vai ser fácil, mesmo que agora se seguissem os procedimentos de qualidade e de SHST. Uma monitorização por organismos de apoio organizacional conectados à ACT, por exemplo, poderia ser uma hipótese. Sem ofensa a ninguém, as medidas que se têm visto, para a defesa das pessoas idosas, parecem ter sido inspiradas pelo despejar de água pelos aviões em Pedrogão Grande.

[16] Mandam as boas práticas médicas de todos os tempos, que quando não existem procedimentos testados e aceites pela comunidade científica, criem-se e testem-se, envolvendo uma postura controlada de pesquisa/ação. A fonte de inspiração é, em última instância, compromisso com a defesa vida – o juramento de Hipócrates. A passividade resultante da não existência de um protocolo oficial não seria, nunca, aceitável? Pensamos que não. Se há uma solução verificada, o compromisso com a vida mandaria avançar. É para isso que existe medicina. Ou não será? Decidir é também correr riscos, para não deixar o risco apenas do lado do doente. Quando se viu alguma vez aceitar passivamente uma instrução estatal para salvar vidas e a economia de um país? Onde está a reivindicação da autoridade médica para receitar, sem atender à ignorância de poderia estar na posição de comando, quando de valores superiores se trata?

[17] Repetir e fazer eco, à exaustão, do que a OMS disse (“testar, testar, testar”) e proceder como se fosse possível apenas uma interpretação unívoca, parece-nos, no mínimo, inadequado. Tentar, sem olhar a gastos, testar o universo é não só inútil, como é caríssimo e não se obterão nunca dados fiáveis, relativamente aos que poderiam ser retirados dos estudos de uma amostra aleatória e estratificada. É-nos difícil entender. Não discutimos competências. Mas quem pode ter aconselhado a DGS a seguir este raciocínio? Não se perceberá que, no regresso de uma ida a uma zona de teste, uma pessoa pode ser contaminada, tendo antes dado negativo? O que se pretende? Não é verdade que as pessoas comuns correm o risco de passar imediatamente à situação de perceção de uma falsa segurança?

[18] Ainda num passado muito recente se admitia, na opinião publicada em Portugal, e em número significativo, que a “burocrática” UE tinha demasiada interferência na vida dos povos europeus. Em nome da luta contra uma tal invasão da soberania, a área da saúde, por exemplo, ficou sempre fora do âmbito federal. Estava na exclusiva dependência dos estados. Pela forma como a opinião pública começou a ser (des)informada, nos últimos tempos, até parece que foi a EU a falhar e não os estados nesta matéria. A coerência parece cada vez mais sujeita à lei da relatividade.

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião