Neste tempo de neo-globalização interessa que os setores automóvel, aeronáutico e ferroviário, bem como o ecossistema digital, sejam olhados como campos de fixação de novas oportunidades e motores da reindustrialização do país.
Mas Hannover não foi só uma feira, foi o cosmos dos que querem saber onde vão investir, como podem investir.
As empresas portuguesas foram à procura de negócios, de parceiros e de financiamentos. Foram à procura de saber como se podem situar neste novo mundo global, mais amigo dos ciclos curtos, mais preocupado com o futuro, mais atento à qualidade do trabalho.
O Primeiro Ministro anunciou, na abertura da feira, que o nosso objetivo coletivo seria atingir os 50% do PIB em exportações até 2030. Esse já era o número mágico previsto na estratégia portuguesa que sustenta o PRR e também o Portugal 2030. Costa faz bem em ser conservador.
Portugal pode chegar facilmente aos 60% do PIB até ao final desta década. Para isso tem de determinar um caminho que assente três vertentes: Exportações para os mercados tradicionais mas, principalmente, para novos mercados; substituição de importações por produção nacional e que possam, a prazo, reforçar as exportações; segregação estatística do setor do turismo do valor global das exportações.
O que queremos dizer com estas três linhas? A pandemia e a guerra, que marcam este início de década, associadas à obrigação que temos de uma transição energética e de uma afirmação digital, permitem a Portugal uma nova posição no mundo. Para esta nova realidade, que outros países também já preparam (Espanha disponibilizou 13 mil milhões de euros para fábricas de microchips), temos de saber bem o que quereremos e onde queremos. Neste tempo de neo-globalização interessa que os setores automóvel, aeronáutico e ferroviário, bem como o ecossistema digital, sejam olhados como campos de fixação de novas oportunidades e motores da reindustrialização do país.
As exportações são essenciais para uma economia dinâmica e afirmada, para resolver crises internas como a que se verificou no início da década passada. Mas a produção nacional em setores que podem substituir, com vantagem, as importações, é decisiva. O setor químico é onde Portugal tem mais experiência e onde temos, ainda, condições de voltar a ter um papel. Há uns anos, José Honório, ainda CEO da Portucel, promoveu um estudo sobre a substituição de importações por produção nacional. Passou uma década e meia e continuamos sem uma estratégia clara.
O setor agrário e agro-industrial precisa de retomar a visão estratégica que teve entre 1997 e 2001, pode fazer muito mais pela nossa balança alimentar. Há, contudo, que ter em conta que as apostas devem ser economicamente sustentadas e não resultantes de situações conjunturais. A aposta nos cereais deve ser seguida com cuidados e com critérios de rentabilidade e o agroindustrial português tem uma capacidade de fogo que basta dar lume ao rastilho.
O turismo deve continuar a ser uma aposta. É, necessariamente, uma aposta porque é neste setor que se encontram as empresas mais capazes, as que melhor conseguiram sobreviver nesta última década e perante crises sucessivas. Mas os poderes públicos devem olhar para os números encantadores das exportações segregando estatisticamente esta atividade. Ou seja, os 50% do PIB, enquanto número mágico das exportações, devem ser 60% incluindo o turismo.
Tudo isto só se fará com cinco linhas de política: 1ª um esforço gigante para a capitalização das empresas; 2ª uma aposta mais intensa na inovação e na diferenciação; 3ª uma melhor gestão, com flexibilidade e polivalência, e uma valorização intensiva dos recursos humanos; 4ª um outro regime fiscal; 5ª a eliminação da burocracia nos licenciamentos.
O Governo tem vindo a apostar nestes cinco universos. Mas essa aposta é ainda insuficiente. Mais garantias nos apoios à exportação, uma outra visão do Sistema de Incentivos à Inovação, uma redução do IRC, a reforma dos sistemas de múltipla audição nos licenciamentos e nas autorizações de construção, todos estes campos obrigam a uma outra e mais rápida ação.
E há uma aposta que já devia ter sido assumida há mais de uma década – a AICEP, através do seu veículo de gestão de parques, deveria constituir empresas com duas dezenas de cidades médias do interior, acima dos 30 mil residentes, para a construção de 50 mil hectares, em 10 anos, de área empresarial infraestruturada com tudo o que há de melhor do mundo. Metade desta área deveria ser dotada de edificado modular em condições de responder com chave na mão. Em menos de três anos deveríamos ter 25 mil hectares prontos.
Costa, nas suas intervenções antes e durante a feira, disse quase tudo certo, mostrou um país que parece saber o que quer. Tem agora que determinar o caderno de encargos para dentro e dar murros na mesa perante os departamentos que tardam e saber qual a sua obrigação neste novo tempo cheio de oportunidades.
(Fotos DR)