Quando uma qualquer obra, privada ou pública, se atrasa, mais não resta que reivindicar Santa Engrácia e nos encaminharmos mentalmente para o Panteão Nacional.
Este edifício lisboeta foi o primeiro a iniciar-se no estilo barroco e terá sido o postremo no mesmo estilo quando foi terminado. A decisão de erigir um templo que recebesse o relicário da Santa, na segunda metade do século XVI, teria o seu total cumprimento quatro séculos mais tarde, já no Estado Novo e, despido da função religiosa, foi reservado a albergar as grandes figuras, como Almeida Garret, e as pequenas, como Óscar Carmona.
O caso mais relevante era, sem qualquer dúvida, o do Palácio da Ajuda, por concluir há mais de dois séculos, e que se afirmava exemplo excelso da nossa perene inconsequência.
Ainda como Presidente da Câmara de Lisboa, olhando a necessidade de uma outra leitura sobre o património histórico, António Costa iniciou os contactos com o Governo em funções para a conclusão do Palácio Nacional. Uma parte do investimento viria de um novo fundo que seria criado pela aplicação de “taxas de entrada” ao universo dos turistas que chegassem em Lisboa pelo aeroporto.
A boa vontade do Governo da altura não era muito diferente de todas as que ao longo de décadas se haviam revelado. Mesmo com as “taxinhas” faltava uma atitude firme da pasta da Cultura.
Não se compreende, portanto, a revelação ciumenta de Barreto Xavier, ocupante da pasta entre 2012 e 2015, quando quer chamar a nova e impressionante obra para o seu legado. Se olharmos para as notícias de novembro de 2014, a polémica estalou depois de infelizes declarações e por não se conhecer o programa da obra nem sequer o autor do projeto.
Tudo ficaria mais claro com o protocolo de setembro de 2016, já com António Costa como primeiro-ministro, em que se assumia o modelo de financiamento, a calendarização e o projeto definitivo. O financiamento era o resultante das verbas do Turismo de Lisboa, da Câmara de Lisboa e, ainda, o valor liquidado pelo seguro na sequência do roubo das joias da coroa, anos antes. Fernando Medina assume o cabal cumprimento do projeto e a sua dimensão simbólica.
Um dos problemas que ao longo das últimas quatro décadas tenho identificado na ação política de António Costa é a carência de uma dimensão simbólica aplicada nos atos públicos que protagoniza. Nunca consegui compreender a razão de não ter havido uma História da Reorganização de Lisboa que Costa conseguiu concretizar, a reforma administrativa mais relevante desde Passos Manuel. Como também não consigo entender a pouca dimensão dada ao ato de inauguração do Museu do Tesouro Real, enquanto projeto autónomo, mas também enquanto iniciativa que consagra o valor da Ajuda na reivindicação permanente da História.
Não será por falta dessa “pompa” que negaremos a Costa a paternidade do projeto que agora termina. Como não podemos negar a Fernando Medina a imensa atenção que lhe dedicou.
Há uma pergunta que interessa fazer neste passo – Portugal tem mesmo um tesouro real? Se nos colocarmos perante as existências patrimoniais de quase todos os países da Europa, se quisermos dar relevo às unidades e não ao conjunto, poderemos dizer que Portugal tem um tesouro que se revela nas exteriorizações religiosas do barroco, edificações que resultaram, como bem nos dizem Carlos Teixeira de Brito ou Marjo de Theije, do período do ouro do Brasil. Ora, esse tesouro da talha dourada não estará na Ajuda.
Nesta nossa época não é, porém, necessário um grande espólio para fazer um grande museu. Os mais recentes projetos museológicos europeus são os que contam uma história, que criam sensações, que consagram a presença num tempo ou num espaço. E é essa a minha esperança quanto ao novo ente da Ajuda. Pelo que vi e ouvi não dececionará.
(Foto DR)