Compromissos e responsabilidade

Confesso que até há muito pouco tempo não percebia muito bem a aversão que uma grande parte dos autarcas manifesta pela “Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso” a qual, em boa hora, este Governo aprovou e colocou em marcha. Essa lei baliza com firmeza a assunção de compromissos, exigindo que só podem ser […]

  • 10:00 | Sexta-feira, 30 de Maio de 2014
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Confesso que até há muito pouco tempo não percebia muito bem a aversão que uma grande parte dos autarcas manifesta pela “Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso” a qual, em boa hora, este Governo aprovou e colocou em marcha. Essa lei baliza com firmeza a assunção de compromissos, exigindo que só podem ser assumidos com a existência de fundos disponíveis, os quais devem logo ser cativados para honrar o pagamento desses compromissos; estabelece as regras para a contabilização, gestão e publicitação de fundos disponíveis; bem como formaliza um quadro legal e operacional para o combate aos pagamentos em atraso. Apesar de necessitar de ajustes, como todas as leis, é um instrumento indispensável para o rigor e para a transparência da gestão autárquica.
Durante a semana li também com surpresa notícias sobre a pressão que o actual Presidente da Associação Nacional de Municípios coloca sobre a disponibilização do Fundo de Apoio Municipal pois, segundo ele, há câmaras que vão deixar de poder cumprir com os seus compromissos sociais para com os munícipes que servem, assim como com o pagamento de salários aos funcionários. Aparentemente existem pelo menos trinta câmaras municipais que estão tecnicamente falidas e muitas outras em sérias dificuldades. Felizmente existem também muitos bons exemplos de gestão autárquica responsável, cautelosa e eficiente, os quais merecem ser realçados e usados na promoção do municipalismo.
Acresce que recentemente muitas câmaras municipais aumentaram o limite de ajuste direto que dispensa parecer prévio do executivo camarário. Na verdade, até ao início de 2014 qualquer despesa superior a 5.000 euros precisava de parecer prévio do executivo camarário. Agora esse limite aumentou para 75.000 euros em muitas câmaras, o que permite ajustes diretos de bens e serviços sem parecer prévio, e sem controlo prévio, dos executivos. É uma decisão incompreensível, com a qual discordo frontalmente por não trazer nenhum ganho de eficiência. A verdade é que começaram logo a aparecer notícias de ajustes diretos de todo o tipo, os quais mostram ausência de razoabilidade, de respeito pelos cidadãos e pelas dificuldades por que passam.
No final do mês de Abril de 2014 tomei conhecimento do relatório da auditoria interna à gestão da Câmara Municipal de Aveiro (CMA), realizada pela nova equipa eleita em Setembro de 2013. Esse relatório, que uso aqui só como exemplo, mostra um cenário catastrófico que nos faz pensar sobre o que mais se passará por esse país fora, sobre como é possível chegar a situações destas e, consequentemente, nos alerta para a urgência de uma verdadeira e muito profunda reforma autárquica. A CMA, que tem uma receita de pouco mais de 44 milhões de euros, apresenta uma dívida formalizada superior a 140 milhões de euros, à qual acresce uma dívida não formalizada de mais de 11 milhões de euros. Ou seja, a dívida total da câmara é superior a 151 milhões de euros, o que equivale a cerca de 3,4 vezes o valor da receita anual, tornando a situação da câmara insuportável e insustentável. Não satisfeita com isso, em 2013 a CMA resolveu não cumprir a Lei dos Compromissos durante todo o ano, e nem sequer tinha mapa de fundos disponíveis, situação que era do conhecimento formal da Assembleia Municipal. Para além disso, resolveu também não cumprir os limites de endividamento de 2012, o que deu origem a uma situação de incumprimento, à retenção nos termos da lei de 20% das transferências dos Fundos do Orçamento do Estado e à necessidade de recorrer ao Fundo de Apoio Municipal. No relatório, produzido pelos serviços da câmara, diz-se qual a razão deste descalabro: “O Município de Aveiro acumulou muitas operações mal geridas, geridas de forma duvidosa e outras não geridas, acumulou dívidas bem acima da sua capacidade financeira, não cuidou devidamente da sustentabilidade da sua receita, deixou muitos processos sem encerramento formal, deixou anarquizar a sua gestão em muitas das frentes de trabalho.”
Percebo por isso, mas não posso aceitar, a pressão colocada sobre instrumentos financeiros de apoio de emergência, mas também sobre os fundos comunitários, forçando uma vez mais a sua pulverização pelo território, sem uma estratégia centrada na atração de investimento, na criação de valor e de emprego (com aparente cedência do Governo). A ausência de reformas sérias no mapa autárquico (a recente reforma conseguiu a proeza de transformar 308 municípios em exatamente… 308 municípios), bem como na forma como são eleitos, como funcionam e são fiscalizados os órgãos autárquicos, é algo a que todos devemos estar atentos, exigindo mudanças e dizendo com firmeza: não, assim não! Ser firme e frontal? Pois, é mesmo urgente!

Link para relatório .

(Artigo publicado no diário As Beiras de 30 de Maio de 2014)


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Publicado em Opinião