A Sementeira é, há oito anos, o solo fértil para divulgação artística e cultural livre de curadoria, terreno experimental que cruza, em inesperada multiplicidade, estilos, produções, expressões, criações e vozes artísticas.
Além de exposições e momentos musicais, este evento cultural e político organizado pelo Bloco de Esquerda de Viseu, conta ainda nesta edição, de 4 a 6 de setembro, com momentos de encontro e debate, sendo um deles dedicado ao tema “Vencer a Crise”, nos Jardins da Casa do Miradouro, com a presença de Catarina Martins.
A pandemia de Covid-19 trouxe mais do que uma crise sanitária: é também uma crise social e económica. Revelou o pior da desregulação e precariedade do mundo do trabalho, da falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde e a grande fragilidade do setor dos cuidados. Esta é uma realidade transversal que se fez sentir com grande impacto no mundo da cultura e das artes.
Como vencer a crise? Alterando paradigmas, para que as respostas não sejam remendos supérfluos e efémeros, mas antes reconfigurações estruturais de um modelo que já se provou a si mesmo, por muitas vezes, insuficiente, ineficaz, autofágico e predador do ambiente e da qualidade de vida.
Paradigmas alteram-se através da cultura. Uma resposta honesta à crise passará, obrigatoriamente, pela valorização da cultura e pela reposição do seu papel basilar na sociedade, enquanto campo de ensaio e construção coletiva da mudança.
A cultura é o espaço do nada e é aí que reside o seu valor, pois permite abrir horizontes para a reflexão crítica e livre de tudo o que nos rodeia. Cultura é o espaço para pensar, que ganha relevo numa sociedade em que tudo corre a um ritmo frenético sem deixar nesga de tempo ou predisposição para a reflexão e para a crítica.
Neste sentido, e com movimentos de extrema direita a espreita ao virar da esquina, no aproveitamento das fragilidades sistémicas do contexto atual, a cultura é também uma arma.
Deve ser estimulada, livre, partilhada, discutida, portal para o espaço público em vez de um elevador elitizante como muitas vezes é no distrito de Viseu, local de “políticas culturais” absolutas e com maior relevo na organização de um chorrilho de eventos, do que no efetivo estímulo à criação e circulação de produções culturais locais. Assim, ano após ano, as autarquias têm-se, cada vez mais, sobreposto e substituído aos agentes da cultura, monopolizado o cenário e os espaços culturais.
Este é um pequeno aflorar do que poderá ser uma das respostas para a crise. Mas muitas mais são necessárias e serão debatidas durante a Sementeira, um esboço possível para o papel estrutural e estruturante que a cultura deveria ter na sociedade.