Não é fácil falarmos sobre canalha. O estatuto que lhes confere a designação já é suficientemente elucidativo.
Dantes, canalha era o vilão dos filmes de cow-boys. Aquele que ouvia o ápodo da boca num esgar de desprezo torcida de um John Wayne, antes de ouvir o derradeiro som, o do estampido do tiro que lhe punha fim, porque os canalhas mereciam morrer…
“Canalha!”, vituperava de entranhas desfeitas, a amante enganada pela luz do seu olhar.
Canalha era o povo antes de Abril na boca túmida e “abatonada” das damas chiques da Lapa.
Canalha era o epíteto carinhoso do mestre-escola, na aldeia fria, para o seu “rebanhozinho” espevitado.
Canalha, “a minha canalha”, era o triunfo orgulhoso de um pai para o seu rancho gaio de tropelias.
Canalha era o tango de Gardel roçado em jactâncias ágeis nos cabarés de 20.
Canalha era o amor roubado num ímpeto de coração atrevido, da namorada de um amigo, que o órgão é cego…
Canalha era a malta da “cova funda” que bebia a tragos largos canadões de briol e arrotava “postas de fígado de cebolada”, para armar ao pingarelho.
Canalha era o árbitro que nunca deixava ganhar a equipa de futebol caseira.
Essa era a canalha. A de outrora. A de hoje formou-se em “partidarite, summa cum laude”. São os filhos do oportunismo, do amiguismo, da incompetência, do jeitinho, do compadrio, do não-sei-fazer-mais-nada… A canalha de hoje tem poder, manda, estraga, corrompe, rói, destrói e é pior que um fogo selvagem pinheiral acima, devastando tudo à sua passagem.
A canalha, hoje, veste fatos bossstyle, gravatas de fina seda, usa relógios de ouro rosa e canetas de negra laca, com aparos de platina, para assinar de cruz…
A canalha de hoje, instruída nos corredores do lugar-tenentismo, não tem princípios, não tem decência, não tem ética, não tem valores, não tem moral…
A canalha de hoje adora em ara de Carrara o metal pútrido, é um clã cheiroso, com mordomias, motoristas, cartões-quase-de-ouro e aflitiva vacuidade nos cérebros ocos, luzidios de brylcreem.
A canalha de hoje é uma praga letal. Viral. Uma elite de ralé. Uns patifes de colarinhos engomados.
A canalhice é o seu modo de agir.
Que saudades das vielas avinhadas de outrora…
(Fotos DR)