E assim os anos vêm e vão, chegam e passam, parecem eternos quando começam e fugazes quando acabam.
Não sei se em 1945 se comiam passas e faziam promessas e desejos. Belisário Pimenta estava em Lisboa e abriu o diário para escrever com singeleza: «Mais um…»
No dia 20 de Janeiro, ainda por lá se encontrava, a contas com os elementos da natureza: «frio, neve, vento desabrido – coisas que em Lisboa são quase inéditas». Em carta, lamenta-se por não poder regressar a Coimbra e aqui prosseguir os estudos que tinha em mãos. «Bem sei», confessa ele, «que há nisto alguma coisa de ridículo, como se a Humanidade perdesse qualquer parcela com o atraso dos meus estudos».
Na verdade, a Humanidade decidia-se nos campos de batalha, na derrota do nazismo, na sobrevivência de Estaline e no zénite do poder do sinistro Béria.
Mas que podia Belisário Pimenta fazer? Ele, que ainda viveria duas décadas bem medidas, não queria morrer sem publicar certas coisas que são, diz ele, mais do que simples bagatelas. E pôs-se a meditar na sua presunção, talvez atraído pelo silêncio. Escreva, senhor coronel. Nós cá estamos para ler. O que ganharia se ficasse calado? O que ganharíamos nós? Belisário Pimenta considera o seu ensaio sobre Eça de Queirós, pensado para o centenário do nascimento do escritor, demasiado escabroso para a situação política.
Pela minha mente passaram ousadias sensuais, perversões dos costumes.
Afinal, refere-se a aspectos puramente militares. Mas tudo é escabroso para um poder autoritário, que se imagina forte e, afinal, é tão susceptível.