Ascenso Simões despede-se da AR

Organizar a Esperança para que possamos ter um país sustentável. Importa uma nova e mais imaginativa política para a água, interessa uma outra visão do valor económico dos resíduos; Organizar a Esperança para que a guerra entre a proteção e produção não ponha em causa o mundo rural; para que se encontrem novas e amplas formas de fabrico de bens e serviços, para que o país não seja, por mais tempo, um simples guiché dos fundos europeus.

  • 13:05 | Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2021
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Portugal e os Portugueses vivem, há duas décadas, em situação de contingência. Esta circunstância marcou e marca, decisivamente, a forma como encaramos o presente e olhamos o futuro.

A ingovernabilidade do primeiro governo do século, a fuga para Bruxelas do chefe do seguinte, a instabilidade do curtíssimo governo assumido por passagem administrativa, a ligeira recuperação entre 2005 e 2007, a crise de 2008, a incapacidade da União Europeia de lhe fazer face e a falta de perceção que em Portugal se verificou para antecipar as consequências; a intervenção externa, o ir além da Troika, a governação da pacificação e do fim da austeridade e esta pandemia que nos assola, todos estes tempos assumiram um caminho penoso que introduziu tristeza e fez estagnar muitas das forças mais dinâmicas que a nossa sociedade havia verificado.

Quando estávamos a iniciar a libertação da crise social e económica afundamos de novo com tudo o que a pandemia do século nos trouxe; quando Portugal se preparava para somar o fim de um quadro comunitário com um programa de recuperação e o início de um outro quadro, que vai vigorar até 2030, o governo vê o seu Orçamento, o mais solidário e desenvolvimentista de todos os que apresentou entre 1996 e 2021, reprovado.

Nenhum cientista político, em tempo próximo ou distante, encontrará as razões para este triste acontecimento.


 

Senhores Deputados,

Esta será a última reunião deste parlamento antes da campanha eleitoral para as legislativas de 30 de janeiro de 2022. Importa, por isso, olhar para V. Exas e questionar a vossa consciência.

Que país queremos? Estaremos à altura do tempo que vivemos?

Temos para nós que o que interessa a Portugal é, em traços largos – Organizar a Esperança. Trata-se de uma tarefa ciclópica que nem a poesia, que a designação lhe confere, menoriza. Organizar a Esperança é o nosso acontecer coletivo.

Devemos Organizar a Esperança para afirmar Portugal na Europa e no Mundo, construindo, como sempre soubemos fazer, pontes entre continentes; Organizar a Esperança numa comunidade de língua portuguesa que não seja meramente formal, que se valorize no campo social e no universo económico; Organizar a Esperança não questionando o nosso atlantismo, mas certificando o nosso conhecimento e saber fazer multilateral.

Organizar a Esperança confirmando o diálogo Norte / Sul, encontrando soluções para a pobreza, fazendo face às migrações que procuram mundos melhores; Organizar a Esperança aumentando a segurança sem ceder nas liberdades, optar pelo diálogo religioso e pela paciência no crescimento dos povos sem tutelas ou amarras.

Organizar a Esperança para que possamos continuar a ser um dos países mais seguros do mundo perante as ameaças, para que as nossas polícias se reformem e se valorizem, para que as nossas prisões se façam mais humanas, para que nosso sistema judicial se confirme justo. O combate à corrupção moral e económica deve ser intenso, a leitura da justiça deve ser, mais do que em qualquer outro tempo, cega.

 

Senhoras e Senhores Deputados,

Organizar a Esperança para que possamos ter um país sustentável. Importa uma nova e mais imaginativa política para a água, interessa uma outra visão do valor económico dos resíduos; Organizar a Esperança para que a guerra entre a proteção e produção não ponha em causa o mundo rural; para que se encontrem novas e amplas formas de fabrico de bens e serviços, para que o país não seja, por mais tempo, um simples guiché dos fundos europeus.

Organizar a Esperança para que as opções energéticas sejam esclarecidas e sustentem uma visão integrada de soberania, para que os recursos minerais sejam explorados com critério e equidade: Organizar a esperança para que saibamos o que queremos produzir, o que deve Portugal saber fazer, que exigência fiscal deve ser imposta às empresas competitivas.

Organizar a esperança para que possamos apostar, com sentido, na educação e na formação, olhando para as novas realidades cognitivas, para a velocidade nas aprendizagens; Organizar a Esperança para que façamos dos professores “gente grande” e não escravos da burocracia; Organizar a Esperança para que se caminhe para a dignificação do saber prático a par da reforma profunda do ensino superior e das políticas de investigação.

Organizar a Esperança para que o país se prepare para novas e mortíferas pandemias, sejam elas as decorrentes da nossa sociedade pasmada ou da circulação de pessoas e animais; para que tenhamos uma prestação de serviços de saúde com qualidade e sem despesismo, para que o país possa partilhar o risco da inovação com outros promotores de saúde. Organizar a Esperança para que o desporto não seja visto como um espaço destinado aos jovens, mas uma matriz de uma saúde integral.

Organizar a Esperança para promover o atrevimento, a criação, o risco. Se há universo em que a liberdade mais se consagra é mesmo o espaço da cultura que deve, tem de ser visto de forma transversal. E se há obrigação que devemos assumir é não querer que os nossos jovens sejam marcados pela normalização ideológica. Deixemos os jovens ganhar o país para si, não queiramos marcar-lhes o futuro que só a eles cumpre.

Mas há que ter em conta, ainda, que Organizar a Esperança é olhar mais longe. Garantir as pensões dos mais velhos hoje e amanhã, sustentar territórios a caminho de não terem vivalma, remover a marginalização dos espaços metropolitanos. Organizar a Esperança é, em suma, organizar a cidadania para um tempo de virtualização e de solidão.

Ora, Organizar a Esperança não se pode fazer entrando, de novo, em instabilidade política, em ciclos curtos de governação. Organizar a Esperança exige um Governo forte, capaz e sustentado politicamente e parlamentarmente.

 

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

 

Há uns dias ofereceram-me um livro que tem como título – A Era do Nós: Propostas para Uma Democracia do Bem Comum. O autor desenvolve o seu pensamento demonstrando que há novas gerações esperança.

Nas suas páginas podemos encontrar uma dança entre a felicidade individual e o devir coletivo, a liberdade de criar onde o Estado é parte, mas não se afirma sufocante, onde crescer individualmente não pode ser uma espécie de anátema. Também no livro se encontra uma luta contra o “eu”, mas eivada de desejo pela implicação nas bolhas económicas que nos fazem definhar como que cumprindo o desejo de uma era de pós-capitalismo. E, como que recebendo o autor a genética paterna, uma profunda e militante atenção à solidariedade que não seja o simples substituir a caridade da religião pela caridade do Estado.

Com as palavras de João Ferro Rodrigues, o autor dos pensamentos que acabei de partilhar convosco, me despeço. Esta foi a minha última palavra neste parlamento. Tive a honra de servir o meu país aqui, espero ter sabido honrar os que me elegeram.

Nas pessoas dos Senhores Deputados Adão e Silva, Pedro Filipe Soares, João Oliveira, Telmo Correia, Bebiana Cunha, José Luis Ferreira e Cotim de Figueiredo agradeço e desejo a todas as Senhoras e a todos os Senhores Deputados fortes venturas. A V. Exa., Senhora Deputada Ana Catarina Mendes, deixo um abraço fraterno a todo o grupo parlamentar do PS. À Assembleia da República desejo longa e democrática vida.

 

 

 

 

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Publicado em Opinião