As pedras parideiras

Aos outros, aos que ainda não estão contaminados pelo bichinho dos meninos rabinos, recomenda-se prudência e tino, companhias inseparáveis de quem se anuncia como pessoa decente e se quer companhia recomendável. E que não ponham lama na ventoinha, protegendo-se do risco de se verem sujos com a imundície que ajudaram a germinar.

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  • 13:38 | Segunda-feira, 18 de Novembro de 2024
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Em resposta a Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, Pedro Nuno Santos (PNS), em tom professoral, sentado numa moral que não tem, convenientemente esquecido de tempos bem recentes, foi seco, atirando da boca para fora, sem substância nem densidade: “(os governantes) em vez de estarem concentrados a resolver os problemas do país, e a resolvê-los com competência, estão concentrados na baixa política, na pequena política, no jogo, na táctica”.

Aos fiéis, pouco importa se estas bentas palavras correspondem aos actos, se quem as diz tem ou não autoridade para as afirmar; contentam-se com a denúncia, que lhes aquece o “ego” e lhes insufla o ânimo em défice, acirrando o tumulto e o braseiro.

Sempre com ar de menino amuado, carregou na verrina, e indisponível para agrados, deixou o mel e o açúcar para terceiros. Importou-lhe criar um momento, sinalizar um descontentamento, numa palavra, “aparecer”.


Numa sociedade cada vez mais mediática, quem não aparece, é desvalorizado, esquecido. É cruel, mas os ares do tempo não se dão bem com ausências e silêncios, mesmo que entrecortados por banalidades. Daí que, à falta de assunto, se solte a língua para erros próprios.

Vindo o citado comentário da boca de um desses distintos e rabugentos populistas, narcisistas energizados, que a democracia, com brandura civilizada, generosamente alimenta e tolera, seria uma “boutade”, um dito espirituoso a somar a outros mais, a enriquecer uma colecção de tesourinhos deprimentes, abotoados no álbum da idiota política caseira.

Dos demagogos que prometem a Lua, tudo se aceita, dando-lhe o desconto com que se brinda os néscios e os imbecis. Oferecendo-lhe o azedume com que se castiga os incendiários.

Aos outros, aos que ainda não estão contaminados pelo bichinho dos meninos rabinos, recomenda-se prudência e tino, companhias inseparáveis de quem se anuncia como pessoa decente e se quer companhia recomendável. E que não ponham lama na ventoinha, protegendo-se do risco de se verem sujos com a imundície que ajudaram a germinar. Porque nesta matéria, não há virgens nem adultos inocentes, a sentença de PNS soube a inútil e escusada.

Para a baixa política, para o joguinho fútil e para a intriga fácil, todos, a começar pelos partidos do rotativismo – os contribuintes líquidos para a asneirola e o mau exemplo – já deram o seu precioso contributo, às vezes, bem difícil de entender, pejado de imoralidades e poucas virtudes.

Hoje, quem se pode dar ao luxo de reivindicar uma folha limpa de traições, de tacticismos, de seduções, de cálculos? De não fazer dessa falta de escrúpulos a via aberta para alcançar fama e fortuna? Individualmente, ou a coberto dos interesses partidários, quem? Todos, embora uns mais do que outros, têm um mapa de estradas sinuosas, ponteadas de sacrílegos cruzamentos e becos amaldiçoados. Todos carregam uma cruz de penitências. Não vale a pena irmos ao sótão desempoeirar os esqueletos dos iniciáticos anos da democracia.

Todos os governos, provisórios, de iniciativa presidencial e constitucionais, transportaram esquemas, expedientes, truques e batotas, misturando interesses e vantagens, conspurcando o que devia ser sadio, minando a confiança.

Opções mal explicadas, negócios estranhos e soluções espúrias dão colorido aos governos que vão passando, na lógica democrática. Quantas vezes nos prometeram o Éden por razões de táctica política? Quantas vezes nos fizeram acreditar que não havia Adamastor que nos contrariasse? Quantos vezes venderam a mentira de que tinhamos atravessado o Rubicão? Quantas vezes nos acenaram com a estrada de Damasco? Sempre e tudo, em nome de politiquices, de conveniências eleitorais, de metas pessoais, de ambições egoístas, de ganhos e de projectos de vida.

Foi sério? Foi patriótico? Foi exemplar? Não, não foi. Posto isto, ninguém, seja qual for o quadrante, está a salvo de misérias e pantominices, de pequenos golpes e arranjinhos.

Os maus exemplos são transversais, minam mais imediatamente quem roda no poder e mais tem para oferecer. De tal modo é assim que o comentário recente, fazendo ricochete, podia assentar na perfeição a PNS, se e quando mudar de papel e estiver investido em outras funções. Se lá chegar, veremos com a mesma autenticidade o próximo líder social-democrata a vituperar o primeiro-ministro socialista, acusando-o do mesmo que agora o crucifica. Ninguém chega lá, se por instantes não se render ao jogo viciado, as cartas trocadas por baixo da mesa. Ninguém lá sobrevive, se não oferecer o sacrifício dos bons princípios ao interesse mesquinho. Ninguém chega ao topo se não hipotecar regras elementares de civilidade.

A política não é para andorinhas, é mais para passarinheiros. Conheci honrosas excepções, pessoas que não se renderam, pagando o preço por serem diferentes, desalinhadas, desarrebanhadas.

De todo, não me parece ser o caso de PNS.

PS – Depois de Pedrógão, de Tancos, de Vale de Judeus e do caos no INEM, o que mais faltará para que o Estado, na versão confiável e estimável, colapse, extinguindo-se com as cinzas de uma esperança esturricada?

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Publicado em Opinião