Interrompendo o circo que para aí vai, com lideranças solteiras, amancebadas ou coligadas, a vergonhosa manifestação racista e xenófoba, proibida, mas realizada, e o lamento pelas veladas e insanas ameaças das forças de segurança boicotarem a realização do acto eleitoral, escrevo hoje uns caracteres, versando um problema concreto, que raia a estupidez, só entendível num quadro de moleza e tacanhez cerebral.
O anacronismo legislativo só pode vir de juristas com mente atropelada e visão retrógrada. Com o reconhecimento do direito à interrupção voluntária da gravidez, do casamento de homossexuais, da adopção por parte de casais do mesmo sexo, da garantia de crianças e jovens ao direito à autodeterminação da identidade de género e à protecção das suas características sexuais, com a inerente obrigação de as escolas criarem condições no acesso à casas de banho e balneários, sem prejuízo do bem-estar de todos, da regulamentação da Procriação Medicamente Assistida, a gestação de substituição, aplicável a casais inférteis, mães solteiras e casais de mulheres, do direito das pessoas escolherem um nome neutro, eliminando a actual obrigatoriedade de os nomes próprios terem de ser identificados com o sexo masculino ou feminino, da descriminalização da eutanásia, o acto de morte medicamente assistida, Portugal acompanha os países mais desenvolvidos da Europa e do mundo.
Os exemplos mencionados remetem-nos para temas fracturantes, tão caros, alguns mais do que outros, ao esquerdismo ou à esquerda não conservadora. Esta atracção pelo vanguardismo vem de longe, com a abolição da escravatura, em1869, por decreto do rei D. Luís, e da pena de morte para crimes civis, em 1867, ao tempo do mesmo monarca. Para trás, ficámos na descolonização, com os custos que todos conhecemos, não acompanhando a vizinha Espanha, com a Revolução Malograda e a Revolução Vitoriosa, ambas no século XIX, conducentes à denominada Independência da América Espanhola, e a Inglaterra, Holanda, França, Bélgica e outros, no imparável movimento autonómico, após a 2.ª Guerra Mundial.
As escolas validaram os pedidos de progressão dos docentes, as mudanças de escalão, mas a Direcção-Geral da Administração Escolar recusou-se a fazer o mesmo com os respectivos processos por, na avaliação de desempenho, não terem obtido a menção mínima de Bom, só ao alcance de quem perfaz 180 dias de trabalho por ano lectivo.
Acontece que, com as baixas e licenças, esses números não foram alcançados, ficando as professoras prejudicadas na sua carreira.
Não sei se o preceito é ilegal ou inconstitucional, o que sei é que antes de tudo isso, ou mesmo apesar de tudo isso, é injusto e desumano.
Já não lhes chegando, enquanto contratadas, e durante anos, terem ganhado sempre o mesmo vencimento, vêem-se agora penalizadas na sua prenhez por uma lei cega, que não olha à graça da maternidade. Pura discriminação de género, num país com uma tão baixa taxa de natalidade.
No século XXI, já não se usa distinção tão dura e tão crua. E vinda de quem vem, o Estado, e que era suposto dar o exemplo, pior um pouco. Muito avanço na teoria, muito fogacho, muito “show off”, e depois vai-se a ver, e nada. Tanta coisa, tanta exibição, tanto avanço, e, depois, às escondidas, cai a mão para a borrada.
Agora, que o governo vai cedendo, para evitar descontentamentos que tenham o potencial de se repercutir no voto, era boa altura para os sindicatos voltassem à carga, insistindo na reparação da ignomínia. A bem da saúde de uma comunidade que se apresenta como civilizada. De outra forma, o ar fica respirável.