As dificuldades do Partido Socialista

O problema do PS de hoje é que não são raros os dias em que não pareça que a sua agenda é a agenda dos partidos à sua esquerda e isso está a fazer com que os seque e perca os votos oscilantes do centro. E também no discurso e na mensagem não consegue eliminar formulações revolucionárias que não pegam. Assim não volta ao poder tão cedo.

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  • 14:07 | Quinta-feira, 01 de Agosto de 2024
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O Partido Socialista vive momentos complexos. Não são tempos de crise, antes de abertura de uma nova etapa que será sempre muito diferente das duas anteriores.

A primeira, foi assumida na construção do partido e da democracia. Liderada por Mário Soares, este foi o símbolo máximo de um período que atravessou as décadas de 1960 a 1980. A segunda é a do poder. Aqui há ainda Soares, mas a liderança é de Guterres que formou e enquadrou os outros dois chefes de governo para além dele e, ainda, dois secretários-gerais que não foram primeiros ministros. Esta estação atravessou as décadas de 1990 a 2020.

Entramos agora num novo PS. Quero mesmo dizer novo PS, porque infelizmente já não vive Soares para nos dar o verdadeiro sentido do nascimento do partido e também vai ser uma coisa completamente diferente dos últimos 30 anos, porque os três lideres, que foram chefes de governo, se afastaram. Ainda, porque muitos dos protagonistas cansaram e se cansaram pela ação inexorável do tempo.


O PS dos dias que correm, nascido no Congresso do final do ano que passou, já tem Abril contado pela História e já vive a folga que as classes médias conseguiram em democracia. Vive da crise do socialismo democrático porque algum dia identificaram, erradamente, ter havido um desvio neoliberal, vive da crise decorrente da hecatombe das dividas do final da primeira década deste século, vive da crise da pandemia que chegou sem aviso e vive da crise dos regimes com o crescimento dos movimentos ultra radicais, todos diferentes, promotores de loucura associada à desgraduação da democracia e da liberdade.

Este é o enquadramento atual do Partido Socialista. É muito diferente de todos os momentos em que esteve na oposição anteriormente e parece não saber, ainda, o que fazer para regressar ao poder.

Há uma dezena de apontadores que nos podem permitir avaliar a “moléstia” de que parece padecer o atual PS:

 

1. O que fazer

O PS não pode viver do passado. Claro que deve eleger as grandes marcas das governações socialistas, garantindo-as para memória futura, mas também deve libertar-se de duas pragas, verificadas depois de 2022, e que foram mais danosas do que o caso judicial que fez cair o governo:

a) a informalidade; b) a ausência de capacidade, demonstrada em setores críticos, para gerir Administração Pública.

Se o PS se mantiver numa leitura do que fez e não se lembrar que teve uma maioria absoluta que se dissolveu fruto das dezenas de casos que observou durante dois anos, então vai passar anos a pedalar em seco.

Precisa, sem demoras de criar uma nova e ampla elite que seja credível, competente e culta.

 

2. O que dizer

O PS não precisa de inventar nada para além do seu património. Porém, não raras vezes se esqueceu dele no governo, por mero tacticismo, por esperteza saloia ou por cedência fácil aos interesses corporativos.

O problema do PS de hoje é que não são raros os dias em que não pareça que a sua agenda é a agenda dos partidos à sua esquerda e isso está a fazer com que os seque e perca os votos oscilantes do centro. E também no discurso e na mensagem não consegue eliminar formulações revolucionárias que não pegam. Assim não volta ao poder tão cedo.

Mas não basta dizer que somos empatia quando não somos, que somos proximidade quando não somos, que somos comunidade quando não somos. A atitude elitista de que com um subsídio se resolve um problema é um erro de palmatória. Um pobre precisa de um subsídio ou de um apoio, não de passar a ser um subsídio-dependente, situação que lhe nega a dignidade e a oportunidade de deixar de ser pobre. Por que é que os pobres estão a votar na extrema-direita? Porque lhe deram subsídios mas também os atiraram para a marginalidade, fizeram milhões de pessoas invisíveis, existentes só em número da segurança social.

Ora, o PS sempre foi o partido da ambição, o partido dos que querem crescer. Como dizia Olof Palme, não queremos acabar com ricos, eles que cresçam, queremos acabar com os pobres de toda a natureza.

O que está a acontecer com o debate sobre o IRS Jovem tem sido danoso eleitoralmente. Nenhum jovem conseguiu, ainda, saber o que pensa o PS e não é o único dossier onde isso se passa.

 

3. A máquina

O Partido Socialista chegou a um ponto de total indestreza para a ação política moderna. A máquina quase não tem qualidade técnica e política, não há pensamento estruturado, não se avalia o país a cada minuto, não se conhece quem pode ajudar a construir a alternativa.

Fazer um novo tempo com uma estrutura que está como Jorge Coelho a deixou, 30 anos mais velha e com custos exagerados para o serviço que presta, é um dos grandes dilemas para os quais, passados 200 dias, ainda não se vislumbra uma solução.

Ainda ninguém viu como se vai desensarilhar o problema. É mesmo urgente montar uma equipa de gente que queira incomodar-se, que tenha autoridade política e organizativa e lealdade ao líder e que vá pelos partidos europeus mais modernos e consiga construir, em Lisboa, o melhor que houver.

4. A resposta parlamentar

Há um problema que o PS tem amiúde – o de se levar para o campo pessoal o que é essencialmente político e que é dito com frontalidade. Algumas das críticas que fiz à ação parlamentar do PS tiveram esse tratamento. Mas fazem mal em não ouvir.

Houve um erro na escolha da líder parlamentar. Não porque eu ache que Alexandra Leitão não é culta, politicamente preparada, com futuro político que muitos até consideram poder ameaçar a atual liderança, leitura que eu não comungo. Porém, quando o país perceciona que o secretário geral se situa mais à esquerda, o que importa é ter uma liderança parlamentar mais ao centro. Foi assim no passado com Almeida Santos, Jaime Gama e Guterres, todos mais ao centro em tempo de oposição na década de 1980 e 1990. E o partido também acha, genericamente, que a líder parlamentar ainda não tem a experiência necessária, nem no parlamento nem no partido, para função tão exigente.

Mas o principal problema é mesmo entender como se deve fazer oposição. De toda a direção parlamentar só Pedro Delgado Alves viveu, como neófito, um curto período de oposição. E era fácil porque havia um inimigo – a troika. Hoje é muito mais difícil, porque ainda não temos problemas orçamentais, temos um primeiro ministro que só dá boas notícias e acena, temos uma esquerda à esquerda raquítica e temos uma tribo de cinquenta deputados insolentes.

O Grupo Parlamentar tem de formar os deputados, tem de os empoderar e tem de os pôr a trabalhar com um sentido; a direção tem de liderar a agenda política e não ir a reboque; as assessorias têm de se modernizar, de deixar de trabalhar para um ou dois deputados e trabalhar em projetos e em iniciativas de grande alcance. Mas, para isso, têm de se saber o que se quer, para onde se quer ir. E há, ainda, uma coisa que está a implicar com todos, deputados, dirigentes e analistas – a excessiva centralização da decisão que não incorpora visões de país díspares nem recebe ideias fora da caixa.

 

5. Os sindicalistas

O Partido Socialista tem sindicalistas na CGTP e na UGT, maioritariamente na UGT. Mas a opção, já velha, de ter um dirigente nacional da UGT a tratar das grandes questões da negociação coletiva, da concertação social, dos rendimentos, da saúde no trabalho, da compatibilização do tempo pessoal com o tempo de trabalho e, muito em especial, da igualdade, não é o bom caminho. Como também não é o facto de extinguirmos a nossa ação no campo laboral ao trabalho parlamentar e à comissão respetiva.

Ora, o PS foi grande nas alturas decisivas como em 1975, em 1985 ou em 1995, quando conseguiu ter uma relação fluida com os sindicalistas e com os sindicatos, quando esteve mais presente na reivindicação e mobilização popular.

Não se pede que seja o líder a fazê-lo, mas deve ser alguém com a capacidade de chegar a todo o país e de permitir o regresso da defesa dos trabalhadores ao palco mediático.

 

6. Os autarcas

O PS vive hoje um problema grave na ligação entre os autarcas e a direção do partido. A maior parte dos presidentes de câmara respeitam e admiram o líder, mas ficam por aí. E porquê? Porque acham que são melhores do que grande parte dos membros do Secretariado Nacional, porque têm uma linguagem diferente da outra parte desse órgão e porque ninguém os ouve individualmente.

Para nosso bem ou nosso mal, o país inventou um regime autárquico em que os alcaides têm um poder relevante nos seus municípios e, todos juntos, têm um poder relevantíssimo no país.

Ora, mais do que se pensar em eleições legislativas ao virar da esquina, o que importa é ganhar as autárquicas do próximo ano, e temos condições para ganhar e até ter mais presidências de câmara.

Que perfil será o certo para esse contacto com os autarcas? Alguém que saiba ouvir e que saiba integrar, alguém que relacione os assuntos e saiba como as respostas se aplicam ao todo a partir da base.

 

7. O Presidente

O PS não pode deixar-se condicionar pelo Presidente da República. E isso deve ficar bem claro, dito com mel mas afiado como uma faca, para que se possa afirmar o parlamento como centro do debate e se consagre o líder do PS como o único agente que existe como challenger.

Mas se as eleições autárquicas são o primeiro grande momento da atual liderança do PS, as presidenciais de 2026 não podem deixar de ser para ganhar. O espaço do centro-esquerda tem obrigação de as ganhar.

Há um ano, quando outros nomes apareciam nas sondagens e o PS se esforçava por centrar a sua ação no chefe do governo, escrevi nestas páginas que o único candidato que podia ganhar as presidenciais, contra qualquer outro vindo do centro-direita, era/é Mário Centeno. Não seja o PS, influenciado por companheiros de viagem ou por mentes inconsequentes, a pôr em causa esse objetivo central para o regime e para o país.

8. Os poderes fáticos

Não será primeiro ministro em eleições normais quem não falar, olhos nos olhos, com os poderes fáticos, quem não “negociar” com eles os caminhos que existem para o país.

O poder é sempre partilhado, ninguém consegue fazer nada se não entender que o caminho não é o santificado de São Josemaria Escrivá, mas o ardiloso de Nicolau Maquiavel. Sentar à mesa, partilhar a vida e o entendimento do mundo, seja mundividência ou mundanice, é uma obrigação que pode levar ao uso imediato de álcool gel, mas que tem de ser cumprida.

Ou seja, os poderes fáticos, os emproados, os donos do dinheiro, os bispos e afins, todos têm um papel na procissão do acesso ao poder que o PS não pode dispensar.

O negócio do PS são cruzes nos boletins de voto.

 

9. O líder

Pedro Nuno é um líder. Ponto! Mas já tem todas as condições políticas para ser primeiro ministro a partir da oposição e sem que o governo caia por si como aconteceu com o anterior? Ainda não!

Custa ouvir? Custa, mas tem de ser dito antes das férias para que em setembro se inicie um novo amanhã.

Pedro Nuno não é o responsável pela organização, nem é líder parlamentar, nem é porta voz. Pedro Nuno é candidato a primeiro ministro quando houver eleições e nem um minuto pode ser perdido até lá.

Guterres, quando em 1991 ganhou o partido, constituiu um secretariado com gente sua, depois abriu aos sampaístas e, por fim, arranjou porta-vozes com estatuto. A receita, com mais ou menos elaboração, não pode ser diferente desta.

E o líder tem de se fazer na relação com os portugueses, no discurso, no estar, até vencer a suas dúvidas e angústias e resolver a sua timidez.

 

10. A alegria ou a falta dela

Um grande movimento que seja vencedor tem dois condimentos:

1) o levantar todos os dias com uma força inquebrantável; 2) a alegria no percurso.

Ora, depois de tantos anos no poder, muitos dirigentes socialistas quase não sabem o que é humildade, não se dão à simplicidade das coisas pequenas. Tudo o que é feito aparece sempre como se cada protagonista tivesse o mundo às costas, como se os portugueses lhes devessem mundos e fundos.

Ter alegria, provocar o contágio da ação com um sentido, são coisas muito difíceis e que requerem, mais do que nunca, a força para cair e levantar quantas vezes forem necessárias.

Nem o líder nem os principais protagonistas podem assumir a atitude diletante do – posso ir embora. Não, estamos aqui porque queremos um país diferente, porque temos os melhores projetos e os melhores protagonistas. Estamos aqui porque não nos quedamos com o já conseguido.

Estas são as dez linhas que todos devem ponderar. Esta é a bitola que deve obrigar a uma nova vida a partir de setembro. Sendo o maior partido português, o PS tem a obrigação de o conseguir.

 

 

Ascenso Simões

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