As contas remendadas e atiradas para o futuro do Executivo PSD de Almeida Henriques

A própria Viseu Marca, cada vez com mais poderes, é um sintoma deste problema, já que, em múltiplas atividades e eventos “municipais”, dispõe de toda a margem de manobra para contratar ao exterior, ainda para mais sem o controlo das despesas públicas e o devido escrutínio político.

Tópico(s) Artigo

  • 23:33 | Segunda-feira, 20 de Julho de 2020
  • Ler em 6 minutos

No exercício económico de 2018, como o Partido Socialista (PS) sublinhou na altura, diversos indicadores económico-financeiros das contas do Município de Viseu apresentavam valores alarmantes. Para a Oposição, mais do que uma situação conjuntural, parecíamos estar perante uma situação estrutural. De facto, nos últimos anos, vínhamos assistindo a uma acentuada degradação das contas do Município: o Resultado Líquido era já negativo (superior a 3,5 milhões de euros); as despesas efetivas acabavam de ultrapassar as receitas efetivas; o saldo de gerência vinha caindo significativamente; a Regra do Equilíbrio Orçamental teve a maior queda dos últimos anos; a poupança corrente vinha também caindo a pique; verificava-se um aumento brutal dos Fornecimentos e Serviços Externos; etc.

Estes indicadores eram ainda mais graves já que decorriam num período com um investimento de capital muito reduzido (o que se mantém). As despesas eram – são – sobretudo despesas correntes. Como os viseenses sentem, nos últimos anos não tem havido obras estruturantes no concelho de Viseu.

Com a publicação Relatórios de Gestão e de Consolidação de Contas do Município de Viseu, aprovados pela maioria PSD, ficam apresentadas as contas municipais de 2019. O Presidente da Câmara insiste, mais do que nunca, em propalar que “Viseu é de boas contas”. De facto, nestes documentos internos de prestação de contas, diversos indicadores financeiros apresentaram um valor positivo.

Que indicadores financeiros serão pontuais?


1. Os indicadores financeiros negativos de 2018, como a maioria PSD defende, decorrendo a sua queda de uma eventual estratégia financeira do Executivo Municipal a médio prazo?

2. Os indicadores positivos de 2019, como a Oposição PS teme, continuando a verificar-se sinais preocupantes de deterioração da sustentabilidade financeira do Município a médio-longo prazo?

O resultado líquido seria negativo em 2019 se não se efetuassem determinadas operações.

Em 2019 verificaram-se algumas operações financeiras e contabilísticas que “remendaram” as contas do Município de Viseu, tendo como indicador mais expressivo o resultado líquido do exercício.

Em 2019 o resultado líquido do exercício foi positivo em 415 mil euros. Porém, as receitas consolidadas foram sobreavaliadas em 1,5 milhões de euros. Montante que resultou de receitas efetivamente recebidas no ano anterior.

Não por acaso, uma das reservas às contas municipais da Certificação Legal de Contas é precisamente referente a esta operação contabilística. A ser corrigida o resultado liquido de 2019 passaria a ser novamente negativo: 1,1 milhões de euros negativos.

Mais, como os vereadores do PS denunciaram, no final do ano verificou-se um reembolso de 1 milhão de euros dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Viseu (SMAS) para o Município, comprometendo obras de implantação e manutenção de infraestruturas básicas no Concelho. Se esta operação financeira, não se tivesse realizado, agravar-se-ia o resultado negativo para 2,1 milhões de euros negativos. Em dois anos seguidos os resultados líquidos das contas do Município de Viseu seriam assim negativos.

O resultado operacional foi negativo nos últimos anos

Está assumido no Relatório de Gestão de 2019 que os resultados operacionais – diferença entre os proveitos e ganhos e os custos e perdas – são negativos (-2,2 milhões de euros), pese o aumento significativo dos proveitos em impostos e taxas, superior a 3 milhões de euros, em grande medida devido ao Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), um imposto direto muito dependente da conjuntura. Nos mandatos autárquicos de Almeida Henriques, desde 2015, que os resultados operacionais têm vindo a ser sistematicamente negativos, sempre negativamente superiores a 1,8 milhões de euros.

A divida tenderá a crescer significativamente nos próximos anos

A- Empréstimo de 8,4 milhões de euros já contratado com a Caixa de Crédito Agrícola.

B- Vários empréstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI), aprovados em reunião de câmara, incluindo 1,8 milhões para a cobertura do Mercado 2 de Maio.

Dívida de Médio e Longo Prazo

Ainda relativamente à sustentabilidade das contas, Almeida Henriques tem frisado a diminuição da dívida. Em finais de 2019 a dívida de médio e longo prazo a terceiros do Município de Viseu totalizava 9,5 milhões de euros. Pois, imediatamente no início de 2020 a maioria do PSD aprovou um empréstimo de 8,4 milhões de euros; a que se somam, até à data, a aprovação de vários empréstimos, incluindo 1,8 milhões de euros para a obra esdrúxula de cobertura do Mercado 2 de Maio. A dívida de médio e longo prazo, pode assim disparar brevemente para mais de 100% da dívida de 2019.

Verifica-se uma externalização crescente de serviços municipais básicos

Como os vereadores do PS têm vindo a assinalar, é muito preocupante a diminuição significativa das competências e dos recursos do Município que, paulatinamente, tem vindo a ser concretizada, através da externalização ou privatização parcial de serviços municipais básicos. Seja a conservação de áreas verdes; a limpeza e manutenção de espaços públicos; a contratação reiterada de projetos de engenharia e arquitetura para pequenas obras urbanas; a quase extinção da administração direta municipal em pequenas obras e intervenções de reparação e manutenção; o aluguer de equipamentos municipais elementares; a realização de estudos e outras atividades básicas; a contração sistemática de profissionais por ajuste direto; a contratação recorrente por ajuste direto de empresas – muitas vezes fora do Concelho ou da região – em diferentes domínios, antes realizados diretamente pelo Município; outras situações bem patentes no Portal Base para contratos públicos.

A própria Viseu Marca, cada vez com mais poderes, é um sintoma deste problema, já que, em múltiplas atividades e eventos “municipais”, dispõe de toda a margem de manobra para contratar ao exterior, ainda para mais sem o controlo das despesas públicas e o devido escrutínio político.

Para além de o Município deixar de ser atuante, de modo diligente e expedito, para os “pequenos-grandes” problemas de dia-a-dia (o que já se vai sentindo muito na Cidade), esta externalização aumenta de sobremaneira os custos destes serviços.

Em face desta política, os fornecimentos e serviços externos estavam num crescimento galopante desde 2015. Face à derrapagem das contas, nomeadamente neste capítulo, em 2019 estas despesas correntes tiveram um corte substancial. Uma parte do corte certamente se deve a despesas inúteis e até “fúteis…” que se iam verificando. Por explicar continua o corte de uma parte significativa destas despesas ou a sua incidência nos próximos exercícios financeiros.

Realizam-se diversos negócios através de engenharias financeiras que atiram custos para o futuro

Os vereadores do PS têm denunciado diversas operações de engenharia financeira do Executivo Municipal, que, para além de serem seriamente questionáveis no seu custo/benefício, transferem despesa do Município, e de entidades por si detidas, para os próximos mandatos autárquicos; três exemplos.

Foi a concurso a privatização da exploração da ETAR Viseu Sul, num negócio de mais de 8 milhões a 5 anos. Para além de ser fortemente criticável a privatização temporária deste serviço público básico – numa área em que o SMAS já demonstrou competência e eficiência –, não foram demonstrados os ganhos de eficiência técnico-económicos do negócio. Antes pelo contrário; verificou-se nitidamente uma sobrestimativa dos custos anuais da exploração, já que na base dos cálculos estiveram os anos de arranque da ETAR, aqueles em que naturalmente os custos de operação foram superiores.

Como expediente financeiro para a concretização de obras emblemáticas do “Viseu Primeiro”, de modo mais célere e economicamente vantajoso no curto prazo, serão alienados diversos imóveis municipais ao subfundo Imoviriato. O que corresponde à participação em espécie do Município neste fundo imobiliário no âmbito do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado. Posteriormente, os imóveis já reabilitados serão arrendados ao Município e eventualmente readquiridos ao fim de 10 anos (ainda que não haja direito de preferência). Feitas as contas, só os custos do arrendamento dos imóveis nestes 10 anos aproximam-se ou superam os custos da sua aquisição e respetivas obras de reabilitação. A médio-prazo, esta engenharia financeira e patrimonial lesa as finanças e o património do Município.

O Município arrendou o Pavilhão Industrial da Sumol pagando um montante significativo de rendas e realizando avultadas obras de requalificação. Se não se efetivar o negócio de aquisição, estas obras revertem em benfeitorias no Imóvel e perdas significativas para o Município. A opção de compra foi remetida para o início do próximo mandato autárquico. No contrato de arrendamento não está sequer instituído que o valor pago em rendas seja abatido ao montante da eventual aquisição do Imóvel, contrariamente ao afirmado pelo Presidente de Câmara.

Face ao exposto, há indicadores objetivos de que a atividade corrente do Município continua deficitária. A curto prazo, numa aproximação ao final de mandato e eleições, vislumbra-se um maior investimento em obras. A médio-longo prazo, o serviço da dívida será muito superior. Por outro lado, vão-se sentir os custos dos referidos negócios através de engenharias financeiras.

A remuneração e as despesas com pessoal tenderá a crescer, tendo já um peso próximo dos 30% nas despesas correntes.

Importa verificar se a inversão de fornecimentos e serviços externos foi meramente uma travagem abrupta em 2019, para, circunstancialmente, fazer face à derrapagem das contas que era patente em 2018.

O custo excecional decorrente da emergência sanitária e dos apoios económico-sociais no âmbito do Surto de COVID-19 são um facto, pese ajudas excecionais do Estado e a redução relevante de algumas despesas municipais. Esperemos é que este não seja o alibi oportunístico para justificar a derrapagem, para lá desse impacto, das contas de 2020.

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por