As autárquicas que o PS pode perder

Renasce nesse dia longínquo o líder fraco e o primeiro-ministro improvável que estava a ser Durão Barroso, Rui Rio passa de figura de terceira linha para a liderança da segunda câmara em simbolismo, fazendo nascer aura por ter vencido o enorme peso político que sempre foi Fernando Gomes.

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  • 14:53 | Segunda-feira, 28 de Junho de 2021
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Se as eleições fossem hoje o Partido Socialista ganharia as eleições autárquicas. Ganhar seria ter a presidência da Associação Nacional de Municípios e, portanto, mais uma câmara do que o segundo partido mais votado.

Mas em junho de 2001 o PS também ganharia as eleições autárquicas e em dezembro perdeu-as com estrondo porque Lisboa e Porto mudaram de mãos e a maioria dos municípios passava para as coligações dos partidos à direita.

Renasce nesse dia longínquo o líder fraco e o primeiro-ministro improvável que estava a ser Durão Barroso, Rui Rio passa de figura de terceira linha para a liderança da segunda câmara em simbolismo, fazendo nascer aura por ter vencido o enorme peso político que sempre foi Fernando Gomes.


Em Lisboa e no Porto nenhuma sondagem dava a vitória aos candidatos do PSD, no Porto a diferença era esmagadora e em Lisboa a esquerda unida tinha uma folga mensurável.

O que aconteceu para tivesse sido assim? Poderemos identificar algumas causas que se podem estar a verificar também no tempo que vivemos e que devem ser bem avaliadas e resolvidas pelo PS.

1. O cansaço de figuras e formas de exercício do poder. Em 2001 o PS levava seis anos de maiorias que não eram absolutas, dificuldades em gerir uma situação difícil sob o ponto de vista económico, uma vivência governativa em muitas áreas separada da realidade e defessa. Guterres expunha a falta de paciência para as pequenas coisas que são, quer se queira quer não, o dia a dia da governação, o PS estava sentado no poder e vivia arrogantemente do poder como se este nunca se afastasse da nossa obrigação divina de criarmos um homem novo.

A saída de Jorge Coelho acentuou a descoordenação governativa, as divergências entre ministérios eram visíveis. Mas havia, ainda, em muitos municípios governados pelo PS, uma situação de indolência eleitoral, uma negação de “comer a relva” que a contagem das cruzes sempre obriga.

Nos tempos de hoje podemos dizer que há, a cada dia, mais semelhanças com o vivido em 2001. A única e nítida diferença, muito relevante apesar de tudo, é a predisposição do líder do PS para o combate e, portanto, para não se deixar implicar pelo resultado no dever de governar.

2. A segunda razão que levou à derrota do PS em 2001 foi a nova realidade comunicacional. Estávamos no início dos canais de notícias por cabo, na oferta ao momento de novas informações e de outras desinformações. Se até 2001 o boato era circunscrito aos pequenos territórios, os canais de notícias vieram a ampliar o sussurro e elevaram muita falsidade a coisa credível. Um olhar sobre a campanha eleitoral em Sintra, que fez cessar o proficiente mandato de Edite Estrela, diz-nos bem dessa implicação. O mesmo se averiguou em muitos outros concelhos elegidos pelos interesses internos às televisões e aos gostos pessoais de alguns jornalistas.

O tempo de hoje é o tempo das redes sociais. Interessaria que os candidatos autárquicos tivessem em conta a bosta que vai circular em torno das ventoinhas, e será maior quanto maior for o interesse económico dos municípios.

Se nas primeiras três décadas de poder local o “empreiteirismo” foi o núcleo fundador de algumas dinastias de autarcas, somado ao benefício das velhas famílias e da Igreja, o tempo que vivemos revela outros interesses bem menos visíveis, muitos deles que atravessam várias forças partidárias e que vão ao que de mais profundo existe na nossa vida coletiva. As políticas radicais estarão nas campanhas autárquicas agregadas à repulsa pela situação que cada família pode viver, a uma revolta e a uma insatisfação que é ampliada pela ausência de sentimento, humanidade.

3. A terceira razão que se assemelha a 2001 e que hoje se vive é a aparente falta de saídas políticas. Em 2001, em plena campanha, a grande mensagem era a do país de tanga. Voltou na campanha de 2002. Tratava-se de uma ideia simples que revoltava quem se levantava todos os dias para trabalhar e que, já naquela altura e ainda longe do que hoje vivemos, afastava uma parte dos eleitores dos políticos.

O que observamos por estes dias é também uma insatisfação crescente e o medo de não sabermos para onde vamos. É por isso que o debate político se vai polarizando e é por isso que as ideias simples quanto ao presente e quanto ao passado fazem caminho. Em 2001 vivíamos a ressaca dos anos da Expo, de Timor, de Amália, do Nobel de Saramago. Hoje vivemos a ressaca de uma experiência única que foi a “geringonça”, mas a que parece faltar uma saída para olharmos as dificuldades e as oportunidades que resultam de uma guerra sem quartel à pandemia.

Este cenário, que aqui deixo, não é pessimista. É uma leitura de experiência que vai faltando à vida superficial de certas elites partidárias. Muitos dirão que tudo é muito diferente e eu direi, mesmo conhecendo excelentes candidatos que o PS apresenta e o trabalho de rendilhado difícil que a direção nacional fez, que tudo é diferente, mas pode acabar igual. Intuitivo e tão conhecedor do PS quando os mais conhecedores, António Costa iria hoje (os números da pandemia impediram) apresentar todos os candidatos autárquicos do país. Quando o fizer Costa não pode deixar de lembrar que uma eleição não é um passeio e que o PS não é uma mera máquina de poder, mas um partido de projeto. Costa não pode deixar de reclamar mais frontalidade e menos auto-preservação, mais país e menos umbiguismo. Que o nosso projeto não são os carros pretos e as comitivas de abana-orelhas, mas criar riqueza e saber distribuí-la bem. Que o nosso projeto não se esgotou nas três governações que levamos desde 1995 nem nas governações municipais rotineiras, que o país precisa, como nunca, de um PS arrojado, capaz, forte e acima de tudo socialista, solidário e moderado, nas autarquias, nas regiões e no país.

 

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