A desconcertante irregularidade do clima mediterrânico, no que diz respeito à quantidade de precipitação e à sua distribuição ao longo do ano, é tão antiga quanto as milenares civilizações que o mesmo Mediterrâneo moldou. Sem água em quantidade e qualidade não há economia. Não há agricultura, não há turismo e não há certamente indústria competitiva. Sem estes setores de base, não há criação de riqueza que suporte o comércio de bens de qualidade, nem o de serviços de elevado valor acrescentado. A eficiente gestão da água e, no caso português, a capacidade de ajustar a irregularidade do seu ciclo natural ao regular ciclo de consumo que as nossas atividades exigem, requer cada vez mais planeamento a médio e longo prazo e a criação de consensos regionais cada vez mais amplos. A capacidade de armazenamento de água nos anos húmido, para dela usufruirmos nos anos secos, não é tarefa que possamos delegar. As alterações climáticas, realidade que hoje ninguém de bom senso já questiona, tornam esta exigência na questão mais importante da nossa vida coletiva.
Cientes desta realidade, vários municípios da Comunidade Intermunicipal Dão –Lafões, decidem juntar esforços que visariam constituir uma agregação intermunicipal para a gestão da água e saneamento. O princípio fundamental era o de que problemas comuns, que necessitariam de soluções comuns e partilhadas, seriam melhor resolvidos à escala intermunicipal. A escala municipal, de cada concelho por si só, era desde há muito insuficiente para dar as munícipes do território envolvido as respostas às presentes e futuras carências de água em quantidade e qualidade. Estava-se em 2016 e havia, em bom rigor muita “pedra para partir”.
Era necessário conjugar vontades muito diversas, criar a confiança necessária entre os protagonistas – por forma a evitar ferir as tão comuns suscetibilidades lusitanas que as vezes fazem morrer bons projetos à nascença-, era necessário conjugar as carências de cada concelho com os recursos financeiros que seria possível a cada um alocar a esse projeto. Era necessário estudar as opções técnicas disponíveis e os casos de sucesso e fracasso que outras regiões tinham já tomado. Era necessário estudar tarifários e compreender a necessidade de os adaptar à premente exigência de avultados e duradouros investimentos em toda a rede e região, sem que isso os tornasse injustos para o comum dos cidadãos ou desincentivador da captação de investimento privado.
Era necessário trilhar um caminho difícil, no qual todos os municípios ganhassem sem que nenhum se tornasse
avassaladoramente dominante. Tal como nas questões das alterações climáticas, tornou-se óbvio que não há salvação isolada: ou nos salvamos todos ou todos pereceremos. Foi esse esforço lento, mas decisivo, feito de avanços e recuos mas sempre com coragem que permitiu que em Março de 2019 cinco municípios, Viseu, Mangualde, Nelas, Penalva do Castelo e Sátão concordaram em criar um sistema comum de abastecimento de água em alta baseado na barragem e albufeira de Fagilde.
A 22 de Junho 2021 é tida uma reunião com a ERSAR na qual estiverem presentes o seu presidente e a administração. Nesta reunião foi discutido o conteúdo do parecer da ERSAR e a melhor forma de ser dada resposta aos esclarecimentos solicitados por essa entidade. Em Setembro de 2021 a constituição da empresa pode seguir o seu caminho para deliberação dos órgãos das Assembleias Municipais dos concelhos envolvidos e para parecer prévio do Tribunal de Contas. Estava finalmente dobrado o Cabo das Tormentas, tinha sido possível consensualizar entre Viseu, Mangualde, Penalva do Castelo, Nelas e Sátão, uma matéria absolutamente determinante para o futuro da região e das suas populações.
O consenso, laboriosamente construído, é posto em causa após a realização das eleições autárquicas de 26 de Setembro de 2021, uma vez que a solução até aí suportada pelos 5 Presidentes de Câmara dos 5 Municípios envolvidos passa ser publicamente contestada pelo Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Dr. Fernando Ruas. Ignorando todo o trabalho desenvolvido até aí durante 5 anos, e no qual o anterior Presidente da Câmara Municipal de Viseu e de igual modo o seu Vice -Presidente tanto se empenharam, o Dr. Fernando Ruas optou pelo caminho aparentemente mais fácil. Assim a 28 de Janeiro apresenta um novo modelo para a questão da água que já não se baseava no sistema da barragem e albufeira de Fagilde, mas sim na adesão ao sistema das Águas de Douro e Paiva que faria chegar a Viseu 10.000m3 de água através de conduta a construir.
A solução de curto prazo que preconiza é meramente conjuntural. A quantidade de água que hoje garante será largamente insuficiente para amanhã, não evitará a necessidade de mais cedo que tarde procurar uma solução mais robusta. Esta solução coloca a região na dependência de outras regiões com maior poder económico e pressão demográfica – que são precisamente os maiores fatores de risco na gestão dos recursos hídricos-.
Pode ser momentaneamente mais barata em termos de investimento infraestrutural, mas será inevitavelmente mais cara no médio prazo. Os aumentos inevitáveis do preço da água nos bolsos dos munícipes não se traduzirão no aumento da segurança no fornecimento. Os aumentos dos custos energéticos com as bombagens vão ao arrepio do que são hoje as melhores práticas de sustentabilidade ambiental. No fundo é uma solução do passado para um problema de futuro próximo. Ao invés de mobilizar toda uma região na exigência legítima de garantir o investimento do poder central neste projeto estratégico da região, o Dr. Fernando Ruas opta por construir um muro entre Viseu e os outros, ao bom estilo centralista.
Se como Presidente da Câmara Municipal de Viseu, este procedimento pode colher frutos no curto prazo, como Presidente da CIM Dão Lafões esta opção é clara e definidora. Revela que para o Dr. Fernando Ruas apenas Viseu conta e que nos momentos decisivos apenas Viseu contará. Estarão os restantes 13 Presidentes das Câmaras Municipais dos concelhos que compõem a CIM Viseu Dão Lafões disponíveis para o acolitar?
João Tiago Henriques
Porta-Voz da Bancada do Partido Socialista na Assembleia Municipal de Mangualde