Pelo que se conhece até à data, e é pouco, não há nada que implique António Costa em facilitações ou intervenções impróprias à volta do licenciamento do centro de dados, em Sines, propriedade da Start Campus, que se apresentava como o 2.⁰ maior investimento privado em Portugal, depois da “Auto Europa”.
A invocação do nome de alguém, não faz desse alguém suspeito de coisa absolutamente nenhuma.
Mas as escutas telefónicas em que o primeiro-ministro (PM), é interveniente, e que estão na posse do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no processo-crime autónomo que aí corre contra si, podem ser uma caixa de surpresas explosiva. Uma das duas partes sairá muito mal das conclusões. Chegados aqui, não há meio-termo, nem caldos de galinha, nem falinhas mansas.
É bom que o Ministério Público (MP), enquanto instituição auxiliar da justiça, especialmente quanto à investigação e à acusação penal, tenha provas sólidas que sustentem a suspeição, pois que a justiça não se faz com intuições, convicções ou interpretações.
Já agora, embora o seu nome esteja referenciado em 50 escutas, registe-se a confusão entre o PM e o ministro da Economia, ambos António e os dois Costa, na transcrição de uma escuta, que nos mostra uma valente trapalhada e um perigoso lapso.
E se não houver substância criminal nas escutas ao PM?
Lembremo-nos de casos anteriores bem infelizes, Casa Pia, Leonor Beleza, Miguel Macedo e Azeredo Lopes, que correram muito mal ao MP.
Considerando a previsível morosidade do processo, e independentemente das suas conclusões, Costa sabe que tem o imediato futuro político minado.
Tendo tudo a ver com isto, a certeza é que nunca um PM em funções teve um processo-crime instaurado contra si, por suspeitas relacionadas com indícios de corrupção.
Nunca um gabinete do chefe de gabinete do PM fora buscado.
Nunca um chefe de gabinete no activo fora detido.
Há sempre uma primeira vez.
Foi um abalo no teatro político.
Detidos o seu chefe de gabinete, homem poupado e prevenido, que em envelopes deixados numa caixa com uma garrafa de vinho e em livros espalhados pelas estantes guardava a ninharia de 75. 800 €, e o seu melhor amigo, consultor da empresa supostamente beneficiada e consultor do governo numa anterior versão, um ministro constituído arguido, o governo ficou condicionado, ferido de morte, e ao PM só lhe restava sair com dignidade. Nem com uma “cunha” divina tinha condições para continuar. Experiente, soube, ao amanhecer do dia 7 de Novembro, que o seu prazo de validade tinha expirado nesse fatídico instante. E sem ele o governo ficou descalço.
O parágrafo do comunicado da Procuradoria Geral da República (PGR) é um detalhe que o PM, como exímio jogador, habilidosamente aproveitou para sustentar o pedido de demissão, encobrindo o que mais lhe convinha esconder: o pântano em que o governo se atolava, com os seus mais próximos indiciados por suspeitas.
Tormentas e tempestades que o PM, no seu discurso de posse, premonitoriamente dizia estar preparado para enfrentar.
Um parêntesis para dizer que, sendo o “Data Center” um projecto de interesse público, só isso bastaria para que se dispensassem as conversas manhosas de hábeis protagonistas, apanhados em escutas.
Insistir na mesma matriz, era apoucar o juízo dos portugueses, fartos de suspeições, de promiscuidades, de negociatas, de promiscuidades, e de verem as suas escolhas envolvidas em tráficos de influências, feridas por um vírus muito difícil de curar.
Dispensável, e só ao alcance de amadores ou de arrogantes bem sentados, foi a indicação de Mário Centeno para PM de um hipotético governo, recauchutado. Depois desse percalço, que fragilizou o governador, é adequado perguntar-se onde fica a independência e a autonomia exigidas ao governador do Banco de Portugal, já antes justamente posta em causa com a sua transferência directa do Ministério das Finanças para a entidade reguladora. Não havia necessidade…
Independentemente das escutas, das detenções, das acusações ou dos arquivamentos, há duas coisas que este processo nos traz.
A primeira, e que me incomoda, é o facilitismo, a ligeireza, a irresponsabilidade com que alguns ministros tratam as questões de interesse público, por sms ou whatsApp, tipo conversas de tasca ou de café, sem qualquer sentido de Estado.
Para a matemática da crise, fica que, das 42 buscas realizadas, com a participação de 17 magistrados do MP, de 3 magistrados judiciais, de 2 representantes da Ordem dos Advogados, de 145 agentes da PSP e 9 funcionários da Autoridade Tributária (AT), resultaram 9 arguidos e 5 detidos.
Tudo isto, só no processo do “Data Center” de Sines. Falta o do lítio e o do hidrogénio verde.
Sentado e atento ao desenrolar da novela, faço votos de que, puxados os cordelinhos da investigação, não se descubram granadas que, explodindo, soltem estilhaços que descarnem um polvo com tentáculos de todas as cores.
Se assim vier a acontecer, corremos o risco de as eleições legislativas se transformarem num referendo ao regime.
Aguardemos.