Acupunctura: mito ou realidade?
Ao escrever este texto não é meu intuito provar a eficácia da acupunctura. Outros já o fizeram.
As origens da Acupunctura têm chegado até nós, de forma pouco clara, através de legados arqueológicos, documentos escritos e várias escolas com métodos diferentes. Há cerca de 6 000 anos, no período Neolítico, existiam já buris de pedra (equivalentes às actuais agulhas) fabricados em diferentes regiões do mundo. Sabe-se que por volta do século XXVIII a.c. os chineses descobriram a existência dos meridianos, ao longo dos quais circula a energia vital (Qi) e identificaram pontos precisos, situados a profundidades diferentes da derme. São dessa altura também, os escritos no Nei Jing, a Bíblia da Medicina Tradicional Chinesa, onde já refere o uso de agulhas para dirigir a energia. Os pontos de acupunctura funcionam, assim, como “fechaduras” onde o acupunctor coloca a “chave” para tonificar ou dispersar essa corrente energética.
No século XVII D. C. os jesuítas Amiot de nacionalidade francesa e Cleyer de nacionalidade alemã, deram a conhecer a prática milenar da acupunctura ao ocidente, referindo-a nos seus relatos publicados em latim, contribuído com algumas publicações para a difusão desse conhecimento embora, nenhum deles tenha tido muito êxito e credibilidade, por parte do conhecimento científico ocidental da altura que considerou a acupunctura como uma curiosidade pitoresca embora, curiosamente, tenha demonstrado sucesso na cura da cólera, que então assolava a Europa.
O primeiro ocidental a compreender e praticar a acupunctura de forma reconhecida foi Soliè de Morant com a publicação do tratado de acupuntura intitulado – Traité de Acupunctura (1878-1955), dando à estampa a sua primeira publicação científica em 1929. Hoje é considerado o pioneiro da acupunctura em França e na Europa.
Na década de 60, no Japão celebrizaram-se os trabalhos de Fujita e Manaka e na Rússia as universidades de Medicina Tradicional Chinesa (MTC) de Gorky e Moscovo fizeram também publicar os seus trabalhos de investigação.
Na França, os estudos de Niboyet, Nogier, Brunet e Martiny apoiados nos trabalhos de engenheiros que projectaram e fabricaram aparelhos de medição precisos, evidenciaram fenómenos que fundamentaram cientificamente a Acupunctura. Após esta fase inicial de certificação científica, saliento um físico de origem francesa, Jean Borsarello que reforçou, através do ensino, novos dados experimentais que aperfeiçoaram a prática da acupunctura como técnica médica complementar.
Os meridianos por onde circula a energia Qi não têm um trajecto exactamente sobreponível ao dos principais nervos do Sistema Nervoso. A corrente energética do corpo é uma corrente eléctrica que se propaga por impulsos de 50 milivolts/milésimo de segundo, ou seja, 360 km/h. Esta é, aliás, também, a velocidade a que se propagam os estímulos nervosos no Sistema Nervoso Central, mas a corrente energética a que se refere a MTC não se propaga apenas ao longo das fibras nervosas, mas sim na totalidade do corpo. É sabido que as várias estruturas do corpo humano, como os órgãos, músculos e pele, por exemplo, produzem corrente eléctrica, através de reacções químicas e cuja intensidade varia de órgão para órgão. Como exemplo do que acabei de referir, temos a corrente registada pelo electrocardiógrafo ou do electroencefalógrafo correspondendo, respectivamente, às correntes eléctricas geradas no coração e no cérebro mas, por exemplo, a fisiologia e a neurologia nada referem sobre a existência de corrente eléctrica entre, por exemplo, o globo ocular e o cérebro, ou entre o fígado e a vesícula biliar, ou o intestino delgado e o intestino grosso; ou entre os vários órgãos e a pele. Porém, se atentarmos, a energia eléctrica produzida pelos diferentes órgãos do corpo e que circula no seu espaço confinado tem uma fronteira que é a pele, que nos separa do meio ambiente, para além da qual gera um campo electromagnético mensurável e onde se situam os todos os pontos de acupunctura, alinhados ao longo dos vários meridianos.
Os pontos de Walleix na dor ciática e os pontos de Rillet-Barthez na parotidite são, por exemplo, pontos conhecidos e característicos na medicina ocidental mas sem correspondência explicável.
Em 1962 o soviético Aladzhalova distinguiu duas formas de regulação de energia no corpo: uma de reacção rápida aos estímulos e outra lenta, que não obedecia a um estímulo único mas sim, ao ambiente e que influencia o primeiro.
O facto de nem com o auxílio de um microscópio electrónico se puderem identificar o trajecto dos meridianos ou a localização dos pontos energéticos, explica-se pelo facto de o sistema lento não seguir trajectos fisiológicos distribuindo-se, antes, por uma rede electromagnética. Em 1963 Niboyet defendeu, na sua tese de doutoramento, que os pontos de acupunctura apresentavam uma muito baixa resistência eléctrica, como se de um poço ou solução de continuidade dos trajectos energéticos se tratasse. Com o auxílio de oscilómetros Niboyet e Chamfrault, conseguiram detectar a existência destes mesmos pontos, isolando os resultados obtidos dos fenómenos naturais de resistência cutânea.
A referenciação precisa dos trajectos do Meridianos e a localização exacta dos pontos de acupunctura têm explicações difíceis, à luz do modelo cartesiano, onde se alicerça o pensamento científico ocidental. Por este motivo ficamos confinados aos documentos e livros traduzidos, a partir dos antigos textos chineses e obviamente, aos bons resultados práticos obtidos pela MTC.
Por exemplo, os pontos cutâneos de acupunctura, embora sendo confirmadamente activos no campo terapêutico seria interessante que pudessem ser medidos ou verificados, sob o ponto de vista eléctrico. Nesta área, já vários ensaios e estudos concluíram a sua baixa resistência eléctrica. Em 1963, o Dr. Niboyet publicou uma tese na qual demonstrava que a maior parte dos pontos da acupunctura antiga apresentavam uma baixa resistência, à passagem da corrente eléctrica. Mais tarde, o Dr. Cantoni e o Eng. Pontigny, com base nas medidas de diferenças de potencial encontradas sobre a pele, puseram em evidência, pontos e trajectos, que correspondiam nitidamente aos pontos e Meridianos acupuncturais.
Foi, no entanto, nas pesquisas da Neurofisiologia, que a Acupunctura foi colher os melhores argumentos científicos, para o que os antigos textos chineses já postulavam há milhares de anos.
O Prof. Becker dos E.U.A., ao medir as diferenças de potencial na Salamandra, descobriu uma corrente eléctrica, de polaridade negativa, que percorria a linha mediana ventral e uma outra corrente ascendente, de polaridade positiva, que percorria a linha mediana dorsal, ao longo da coluna vertebral. Estes dois trajectos eléctricos encontrados no corpo da Salamandra correspondem ao trajecto dos Meridianos REN MAI (Vaso da Concepção), que tem polaridade Yin e DU MAI (Vaso Governador ou da Governação), com polaridade Yang no Homem, os quais foram evidenciados pelos trabalhos de pesquisa publicados pelo Dr. Cantoni, director do Centro de Pesquisa de Medicina Aeroespacial.
Num outro estudo, Becker seccionou o nervo da pata de um rato e verificou uma diminuição de cerca de 10% do potencial eléctrico no local. Curiosamente, na pata oposta verificava uma queda de potencial de cerca de 30%, como se tivesse havido uma transferência iónica para o lado lesado, a fim de manter um equilíbrio eléctrico. Para provar que não se tratava de uma reacção biológica, Becker efectuou a mesma experiência com um modelo em plástico, de uma salamandra embebido em sódio e coberto por uma armadura de fio de cobre, em que as soldaduras funcionavam como pilha e constatou o mesmo resultado. Não totalmente convincente para com os seus pares, Becker colocou a pata sã de um animal sobre um pequeno electroíman e notou uma alteração galvanométrica. O electroíman denunciava a presença de um campo electromagnético gerado por uma corrente eléctrica. Notou que o ponteiro do oscilómetro se desviava na perpendicular, relativamente ao campo gerado pelo electroíman, o que só poderia suceder na presença de corrente contínua.
Graças às pesquisas e avanços científicos na área da Neurofisiologia, a antiga Acupunctura chinesa começa a ver reconhecido cientificamente o seu saber, que foi sendo empiricamente experimentado, documentado, transmitido e praticado desde há milénios. Os pontos de acupunctura e os Meridianos energéticos não serão mais pontos e linhas imaginárias ou esotericamente determinadas, mas sim locais privilegiados, intimamente relacionados com zonas cerebrais distintas e bem determinadas.
Uma agulha ou a pressão digital colocada em determinado ponto de acupunctura, ou ainda a massagem de determinados territórios cutâneos desencadeia uma corrente de transdução, que age de formas distintas, mas que obtêm sempre uma resposta de “feedback” ou contra-reacção orgânica
Desta forma, a existência destes pontos cutâneos ficou demonstrada e a sua observação, através de um microscópio electrónico, não revela qualquer suporte histológico. O ponto de acupunctura é, pois, uma micro-área, com características eléctricas tais que, a implantação de um eléctrodo agulha no seu centro provoca uma reacção de impulsão.
No entanto, apesar destas confirmações, a especificidade e certeza científica dos pontos de acupunctura nem sempre foi pacífica e consensual. Por vezes, em certas avaliações, um grande número de detectores surgiram, mas não detectando apenas pontos de acupunctura, mas também outros pontos cutâneos de baixa impedância, como são o caso, por exemplo, das glândulas sudoríperas, soluções de continuidade invisíveis a olho nu, pêlos, gotas de suor, etc.
A Termografia Infra-Vermelha também deu o seu contributo para o reconhecimento científico da existência dos pontos de acupunctura e dos Meridianos, permitindo visualizar sobre a pele, zonas quentes e de área muito reduzida. Em 1961, o Prof. Vogralik, na Rússia, conseguiu isolar pontos cutâneos que apresentavam temperaturas mais altas (cerca de 1º C) e que coincidiam com as descrições anatómicas da MTC. No entanto, estes ensaios em termografia infra-vermelha carecem de validade científica, uma vez que, ao identificarem termofotograficamente traçados coincidentes com os dos Meridianos da MTC não conseguiram sustentar uma confirmação cabal da sua existência, dado que, sob a pele, como sabemos, existem também outras estruturas anatómicas, com capacidade térmica para interferirem na identificação, tais como, por exemplo, os vasos sanguíneos.
Ao escrever este texto não é meu intuito provar a eficácia da acupunctura. Outros já o fizeram. Talvez dar a conhecer outros caminhos para chegar ao mesmo local: o bem-estar biopsicossocial.
Permitam-me dizer que a acupunctura não é sugestão. Afirmo-o não somente pelo que acima expus, mas sobretudo pelo que recolhi e continuo a recolher neste desafio a que me proponho enquanto pessoa e sobretudo como profissional: não dividir o ser humano.
Contudo, ciente da eficácia da mesma, esta depende de quem a pratica e de quem a recebe. Assim, comprometo-me continuar a adquirir conhecimentos para melhorar a minha prática. Como seres pensantes é-nos difícil acatar algo que vemos sem poder medir na totalidade da nossa razão. Nem sempre o racional se mostra correcto, sugiro-vos o seguinte: no fenómeno natural que é a trovoada, o que é efeito o que é causa? O trovão ou o relâmpago? Ou nenhum? Ou o efeito/causa é o próprio fenómeno?