ACERT: “O Fascismo dos bons Homens”

Tenho acompanhado o trabalho da ACERT nos últimos 12 anos. O meu primeiro contacto ocorreu num dos Festivais Internacionais de Teatro (FINTA) que se realiza anualmente. “Experimentei e gostei”! A qualidade da programação não deixa ninguém indiferente. Organizam também um Festival de Músicas do Mundo de exceção. Tive oportunidade de assistir a espetáculos únicos, com […]

  • 14:11 | Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2014
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Tenho acompanhado o trabalho da ACERT nos últimos 12 anos. O meu primeiro contacto ocorreu num dos Festivais Internacionais de Teatro (FINTA) que se realiza anualmente. “Experimentei e gostei”! A qualidade da programação não deixa ninguém indiferente. Organizam também um Festival de Músicas do Mundo de exceção. Tive oportunidade de assistir a espetáculos únicos, com público exigente e fiel. A cultura é viável quando é feita para o povo (para todos) e não apenas para as “elites”! Talvez este tenha sido o erro original da “nova vida” do Teatro Viriato. Mas, acredito, há sempre tempo para novos rumos. Talvez uma aposta na união de esforços, na junção de sinergias possa beneficiar toda uma região e criar ainda mais valor. O futuro o dirá…

Quando há qualidade, há procura, há público, há emoção e há paixão, o teatro acontece!

Sorte a minha, beneficiei da apresentação extra do novo trabalho do TRIGO LIMPO TEATRO ACERT: “O Fascismo dos Bons Homens“, baseado na obra de Válter Hugo Mãe intitulada “A máquina de fazer espanhóis”.


Antes de entrar, foi-me dado o alerta: “prepara-te para um murro no estômago“. Tive de contrair o abdominal, e beneficiar de alguma adiposidade localizada, uma e outra vez e mais outra, tantos foram os “socos” que os atores, de excelência, me deram. O envelhecimento, a dor, a solidão, o abandono, o egoísmo, a doença prolongada e a morte são retratados sem tabus. A morte da esposa e o internamento do senhor “silva” num lar são os acontecimentos que dão o tiro de partida para toda uma narrativa. Carateriza-se os “homens bons” que pretendem ser considerados honrados, trabalhadores e cumpridores de compromissos, tão ao gosto do Estado Novo. Faziam o que tinha de ser feito, sem se questionarem, talvez porque o que tinha de ser, tinha muita força: [” (…) mas somos bons homens, podemos acreditar no que quisermos, seremos sempre bons homens. nós, os portugueses, somos mesmo, ponha isso na sua cabeça, colega silva (…)”]

A brancura do hospital e do lar contrasta com a cor da vida antes da institucionalização, forçada pelo cônjuge ou pelos filhos. Os lares são uma antecâmara da morte, onde só espera dias ou sonhos melhores quem se quiser enganar: “os quartos da ala esquerda deitam sobre o cemitério. o médico olhava para o chão e fazia ar de quem não via nisso mal algum. e voltava a dizer, deitam sobre o cemitério, é verdade, mas são ocupados pelos nossos utentes que, infelizmente, já não se podem levantar.”

Ao longo de toda a dramaturgia, percebemos que a velhice nos amputa, uma atrás da outra, as capacidades. As perdas sucedem-se: a família, a casa, a saúde, a autonomia, a agilidade mental, os reflexos, o amor (“assim é o amor, uma estupidez intermitente, mas universal. toca a todos.”).

O egoísmo faz-sentir inexoravelmente no relacionamento entre as personagens. Cada utente do lar considera que a sua maleita é a pior. Egoísmo também latente nas atitudes de quem decidiu institucionalizar os familiares: “casada com um homem doze anos mais novo e que a ida dela para o lar abrirá caminho para que ele tomasse a administração dos bens e os gozasse sem se preocupar com voltar.” / “porque os meus filhos se portaram como uns estupores e só quiseram pôr a mão no meu dinheiro (…)” / “a Elisa ainda estaria no lar, talvez a reconfortar-se com o médico pela decisão difícil de deixar ali o pai, e eu sabia que voltaria para se despedir, com um beijo em tudo traidor (…)”

Convivemos mal com a velhice, com a doença e com a morte. Mas convivemos muito pior com o abandono, a solidão e a falta de amor e afeto. A velhice e doença não deveriam ser sinónimas de solidão e indiferença. A morte é uma inevitabilidade, o “amor é para heróis“: (“é que aos oitenta e quatro anos já não é comum ouvir um marido falar assim da sua esposa (…) porque uma paixão nessa idade, e depois de tanto tempo juntos, é coisa de quem sabe dar.”).

Como canta Pedro Abrunhosa, “Esta vida são dois dias e um é para acordar”! Podemos viver “histórias de encantar”, mas um dia ao acordar poderemos ter que recordar o senhor “silva”: “Na extremidade da vida eram todos a mesma coisa, um conjunto de abandonados a descontar pó ao invés de areia na ampulheta do pouco tempo.”

Parabéns TRIGO LIMPO TEATRO ACERT!

Votos de muito sucesso, espero que possam apresentar este magnífico trabalho em todo o país e ajudar os espectadores a pensar a VIDA e o AMOR!

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Publicado em Opinião