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Paulo Neto
Lembro-me de há muitos anos, numa dessas aldeias perdidas do nosso interior, assistir a um inusitado concerto de zanguizarras rivais da região, muito dadas à música (antes de almoço) e da parte da tarde, convictamente dadas à estapafúrdia cacofonia.
Já nem sei dizer qual dos espectáculos era mais expressivo. Se o matinal, num toar ribombante das marchas dos tempos dos Cabrais, se o da tarde, onde as trompas pontuavam com gravidade os despiques, com muito trinar desafiador de flautas à mistura com o síntono rufar das pandeiretas.
À medida que a tarde avançava, a canícula apertava e a sede desmedia-se. Ao crepúsculo, não tendo arredado pé, muitos canadões de briol “abatidos”, passava-se da música às palavras e irrompia a berraria de todas as partes presentes.
E não era raro passarem dos dichotes aos actos trocando-se acordes entre a trompa e o eufónio, o clarim e a vuvuzela, o berrante e o melofone, a bucina e o trombone…
Ao jantar, apaziguados os escaldados ânimos, à mesa sentados, a dar entrada ao rancho e à feijoada, entoavam as palmadas nos costados dos adversários, de virar um boi ao ar.
Ontem, no Parlamento, os grupos parlamentares debateram (?) a imigração e chumbaram todas as propostas do Chega.
Mentiras, gritos, insultos de permeio à retórica anti-imigração, com gritos de “nem mais um imigrante” e apelos à protecção da “nossa amada nação”, pegando no slogan de Trump, vamos “fazer Portugal grande outra vez”. De tal forma foi a guincharia que Aguiar Branco se queixou de “estar a ficar sem voz” para impor ordem aos desordeiros.
Provavelmente esta atoarda vem na sequência da clamorosa derrota nas Europeias, onde o líder do Chega esperava arrebatar a vitória com 9 deputados eleitos tendo-se ficado pelos 2.
E de facto, estes 50 deputados eleitos, sonoramente, valem pelas dez zanguizarras em disputa na recôndita aldeia de Cu de Mula…
É elucidativa esta fotografia captada por Leonardo Negrão, da Global Imagem, que usamos com DR e a devida vénia…
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