Actualizo as palavras de António Costa, um político filho das circunstâncias, na hora da despedida: um primeiro-ministro não pode estar sob suspeita.
Parece ser o que está a suceder a Luís Montenegro, cabendo especificar que as suspeitas são meramente políticas e não judiciais, particular bastante para que, por agora, se separem as situações, deixadas em aparente remanso e quietude, num simulacro de paz duradoura.
O primeiro-ministro foi imprudente na gestão do caso da empresa familiar, que está longe de estar resolvido. Cada dia que passa, vem mais lenha para a fogueira, as dúvidas adensam-se, a intriga azeda. As explicações dadas no comício do passado sábado, acolhidas no cenário parecido ao da Última Ceia, tantos eram os apóstolos beatos e perfilados, foram atabalhoadas e nada esclareceram.
Bons conselheiros – aqueles que, por terem vida própria, muito poucos, não se inibem de desagradar ao chefe – ter-lhe-iam feito ver que o assunto devia ter sido morto à nascença. Como? Aconselhando-o a dissolver a sociedade, limpando de vez a toxicidade que ela arrasta. Com um pedido de desculpas, a algazarra poderia continuar, mas o caso morreria ali.
Um político experimentado envolver-se nestas trapalhadas só se explica por uma de três razões: ou desvaloriza o escrutínio cada vez mais severo da vida dos políticos – diga-se que, por vezes, exagerado e descabido, a ponto de afastar da esfera pública os mais ciosos da reserva da sua intimidade -, ou faz de todos nós uns tolos e desqualificados que tudo aceitam, ou desconhece a lei – facto inaceitável, num advogado.
A displicência, diria mesmo a infantilidade a raiar a sobranceria, com que os mais altos responsáveis da Nação, estes e os outros, nas cavernas da ética, abordam estas matérias, é inquietante.
Perigoso, porém, é sabermos que este assunto só é motivo de alarme por ter sido investigado pelo quarto poder. De outro modo, ficaria silenciado, com a moral a ser vítima de mais uma facada entre costelas.
Uma coisa é certa: neste momento, independentemente dos juízos partidários e do silêncio cúmplice de Marcelo, antes tão agitado e opinativo, omnipresente e omnisciente, o que conta é a percepção negativa que está instalada na opinião pública. E essa pode ser fatal, se a correnteza de más notícias ganhar forma.
A alta política, entretida a especular sobre os eventuais votos no bornal, em sacrifício dos interesses nacionais, tricota-se nos bastidores e obedece a critérios e razões que estão longe do entendimento médio do cidadão vulgar.
Mas, mais cedo do que se pensa, os fiscais das almas e os notários das virtudes terrenas virão a terreiro, e apressar-se-ão a desenterrar o osso e zurzir no esquife.