No Neolítico dar-se-ia uma mudança de paradigma no modo de vida humano que alteraria para sempre a história e os desígnios da humanidade. Atirar uma semente à terra e perceber que quando cuidada a mesma dá fruto e alimento, foi a constatação que terá levado a uma primeira revolução agrícola, que permitiu que o Homo sapiens, até então nómada, caçador e recoletor, assentasse arraiais, se dedicasse à agricultura e produção de alimentos.
Esta alteração permitiu um modo de vida mais seguro e mais alimento, embora de menor qualidade nutritiva, conduzindo à possibilidade de crescimento populacional e de novos modos de organização sócio-política. Há mais de 10 mil anos atrás, com a revolução do neolítico, a humanidade plantava duas sementes: a que deu origem à sociedade como hoje a concebemos e a que deu origem aos alimentos que hoje consumimos.
Apesar de fenómenos inesperados e destruidores que condicionavam a produtividade das culturas, a disponibilidade de pastos ou o período de floração tão fundamental para o mel, as estações, com número e rotatividade variável por todo o globo, não deixavam de ser cíclicas e expectáveis, sendo possível a cada uma fazer corresponder uma determinada fase produtiva, ou determinadas espécies que prosperam em épocas específicas.
Isto foi assim durante milhares de anos, ao ponto de as estações e a natureza cíclica da natureza, mas também da agricultura que dava alimento, serem a base de crenças, rituais, religiões, ao longo da história e um pouco por todo o lado. Mas esta garantia, tantas vezes entendida quase como mágico-religiosa, de que a natureza cuidada dá sustento está a acabar.
Só este ano já se registaram quebras mais do que significativas, falo de percentagens superiores a 50%, da cereja, desde Alfândega da Fé, passando por Resende e terminando no Fundão, do vinho Porto, Douro e Dão, do mel, do Nordeste Transmontano ou do Caramulo, da maçã de Armamar e de Moimenta da Beira, da fruta em geral, dos hortícolas… Enfim, difícil será encontrar o setor que não sofreu quebras de 50, 60, 70, 80 ou até mesmo 90% neste 2020 endiabrado.
Pois bem, daqui, estando o estrago feito, há três coisas a fazer. Apoiar quem viu a sua fonte de sustento dizimada ou quase improdutiva. Revolucionar mais uma vez a agricultura, estruturalmente, adaptando-a no sentido de uma maior resiliência às alterações e imprevisibilidades do tempo. E ainda, cuidar da Terra com maiúscula para que a terra com minúscula nos continue, generosamente, a alimentar.
O que chamamos de fenómenos meteorológicos extremos ou de alterações climáticas são cada vez menos fenómenos e alterações e cada vez mais “um novo normal” que temos, em simultâneo, que travar, reverter e adaptar.